“Não são poucos os que insistem, talvez de boa-fé, que a missa nova é tão católica quanto a missa que chamamos tridentina, e isso se vê refletido no modo habitual de falar com a já conhecida expressão “rito ordinário-extraordinário”. Mas, como já se disse no artigo anterior sobre o tema, detrás da missa nova achamos uma outra teologia que não pertence ao depósito da revelação e que lhe é estanha; tal teologia é chamada pelos seus mesmos criadores de Mistério Pascal. Já não é possível negar a existência desta teologia posto que os mesmos papas, começando por Paulo VI até o atual, a reconhecem abertamente e a consideram o primeiro princípio da liturgia. Como o MP não é uma idéia única, mas um sistema completo de pensamento, é necessário estudá-lo por partes à luz da doutrina católica para que aos poucos nos vá revelando seus secretos pensamentos.
Vamos agora tocar um ponto neurálgico do dito sistema, e que à sua vez é também centralicíssimo na missa católica e que é o modo como se realiza o sacrifício dentro dela. Ensina Pio XII: No altar há uma imolação incruenta “com sinais exteriores, que são signos de morte, já que, graças à ‘transubstanciação’ do pão no Corpo e do vinho no Sangue de Cristo, assim como está realmente presente seu Corpo, também o está seu Sangue; e dessa maneira as espécies eucarísticas, sob as quais Ele se acha no altar e há uma imolação incruenta, simbolizam (figurant) a cruenta separação do Corpo e do Sangue” (DzH 3848). Todo católico sabe que o fato da transubstanciação ocorre por uma única razão: o poder sacerdotal conferido na ordenação dos Apóstolos na última ceia (fazei isto) e que, geração após geração, a Santa Igreja guardou e distribuiu aos que o mesmo Senhor chamava (vocação). Em resumidas contas: a missa é o que é porque tem sacerdote, e ponto final.
Mas, oh surpresa! O MP não pensa assim, a missa é missa por uma razão completamente diferente. Vejamos: Jesus e os apóstolos, inseridos no contexto cultural do AT e totalmente impregnados de sua espiritualidade, não podem ser compreendidos senão a partir dele. Os novos teólogos têm de voltar-se, pois, para a Páscoa judaica, a fim de entender a natureza íntima da Eucaristia. Pois bem, dizem-nos, o ritual da antiga Páscoa era essencialmente comemorativo, em razão do triplo objeto que tinha: Israel recordava a libertação milagrosa do Egito, dando graças a Deus com cânticos de ação de graças — com uma “eucaristia” — por sua intervenção a favor de seu povo. Mas, prosseguem eles, não se tratava de simples memorial de uma ação passada: essa recordação não era exclusivamente subjetiva; também fazia com que Deus se lembrasse de seu povo, tornando-se, deste modo, presente no meio dele para renovar o efeito salvador de sua ação passada: “Na noite de Páscoa, não só Israel se recorda de Javé e de suas ações salvíficas, mas também Javé se recorda de Israel e de seus devotos. Esta recordação por parte de Javé significa, em correspondência com as concepções bíblicas e do judaísmo tardio, um certo tornar-se presente de Deus e um certo atualizar-se de sua salvação”. O memorial era, pois, objetivo, ou seja, atualização e anúncio da Aliança diante de Deus e diante dos homens. Mas os judeus sabiam que esta Aliança celebrada estava em via de realizar-se: Israel esperava a vinda do Messias. Assim, concluem, o rito da Páscoa tomava uma terceira dimensão, profética e escatológica. Comemoração de uma ação salvadora passada, anúncio e celebração eucarística da Aliança presente, e profecia da plenitude futura: tal era, segundo eles, a Páscoa judaica.
Assim, pois, ao instituir a Eucaristia durante o banquete Pascal, Cristo teria assumido o rito da Páscoa antiga, e este só nos é descrito em sua dimensão comemorativa; portanto, a missa é considerada antes de tudo como “memorial do Senhor”. Como já vimos, o memorial judeu tinha a característica de fazer com que Deus estivesse novamente presente e de atualizar sua salvação; era um memorial objetivo e não uma simples comemoração psicológica. O mesmo sucede com a Eucaristia: não é uma simples recordação, senão que torna a fazer presentes os atos salvadores de Cristo que comemora: “[A celebração eucarística] é, portanto, um memorial objetivo, e não só (conquanto naturalmente o seja) uma recordação subjetiva do que o Senhor fez por nós. Em outras palavras: é um memorial real, não só mental; não uma recordação meramente conceitual, não uma nuda commemoratio, como definiu o Concílio de Trento contra Lutero”.
Esta ação, para que não se interprete como exteriorização de uma recordação subjetiva, terá de ser, por natureza, comunitária, social, e dizer, sem povo não teremos missa. Seguindo sempre o princípio da continuidade comemorativa estabelecida entre a Páscoa nova e a antiga, será um banquete, pois Jesus Cristo instituiu o memorial eucarístico durante uma refeição ritual judaica: “A idéia fundamental [na Missa da Igreja primitiva] foi sempre comemorar num repasto sagrado a paixão redentora do Senhor. Por isso aparece em primeiro plano a estrutura de uma ceia. [...] Aquele banquete não era uma refeição ordinária, e sim sagrada, santificada e espiritualizada não só pela comemoração a que se referia, e que se realizava sacramentalmente, mas também porque ficava sublimado até o trono mesmo de Deus, em virtude das orações que se diziam”.
(...) Não sei se o caro leitor foi seguindo o fio da meada nesta densa explicação, mas em definitivo o que se nos está dizendo é que a virtude (força) de nossa missa depende da virtude da páscoa judaica; é lógico, pois, que sejam os nossos irmãos maiores. Existe um ponto significativo: O vocabulário da Institutio generalis Missalis romani. Nela não aparece nem uma só vez a palavra “transubstanciação”, nem sequer a expressão “presença real”.
O magistério infalível da Igreja não tolera esta omissão e a qualifica de: “perniciosa, derrogando à exposição da verdade católica a respeito do dogma da transubstanciação, favorecendo os hereges” (DzH 2629).
Se há um sacrifício verdadeiro, e não simplesmente o signo de um sacrifício, não é pela objetividade do memorial, mas porque a transubstanciação faz que estejam realmente presentes o corpo e o sangue da divina Vítima.
Então, caro irmão na Fé, já é hora de purificar a nossa linguagem católica. Chamemos o rito ordinário da Igreja latina de missa Tridentina e à outra de extraordinária falsificação!”
(Padres do Priorado Padre Anchieta, F.S.S.P.X, A Eficácia do Rito “Ordinário”)
http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=2005
Padre ¿por qué me has abandonado? (II)
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