sábado, 18 de junho de 2011

Comunhão na mão (II)

“A descrição desse rito extravagante, em boa parte sacrílego, entrou na Catequese Mistagógica por obra de um sucessor de São Cirilo, que segundo alguns seria o bispo João, um cripto-ariano, origeniano e pelagiano, que mais tarde foi contestado por Santo Epifânio, São Jerônimo e Santo Agostinho.
Como pode então o Leclercq afirmar que: “...nous devons y voir [no dito rito extravagante] une exacte représentation de l’usage des grandes Eglises de Syrie”? Não o poderia afirmar senão caindo em contradição, dado que antes afirma tratar-se de “...une liturgie de fantasie. Elle ne procède et elle n’este destinée qu’à distraire son auteur; ce n’este pas une litugie normale, officielle, appartenant à une Eglise déterminée” (Dictionaire de Archeologie Christienne et de Liturgie, vol. III, parte II, col. 2749-2750).
Temos ao invés testemunhos de um costume totalmente oposto, ou seja, o costume ordinário de dispor as Sagradas Espécies diretamente sobre a língua do comungante e da proibição aos leigos de tocar as Sagradas Espécies com as próprias mãos. Somente em casos de necessidade extraordinária e em tempos de perseguição, nos assegura São Basílio, se podia derrogar a dita norma e era concedido aos leigos comungar com as próprias mãos (P. G., XXXII, col. 483-486).
Obviamente, não pretendemos fazer um relatório de todos os testemunhos invocados para demonstrar ou provar que desde os primórdios o que vigorava na Igreja era o costume de dispor as Sagradas Espécies diretamente sobre os lábios do comungante leigo. Indicamos apenas alguns exemplos mais notórios, que são mais do que suficientes para desmentir o que afirmam os pseudo-liturgistas: ou seja, que era o costume ordinário, tanto na Igreja Oriental como Ocidental, dispor as Sagradas Espécies nas mãos dos leigos.
Santo Eutiquiano, Papa de 275 a 283, para evitar que o Santíssimo Sacramento fosse profanado, proibia os leigos até mesmo de portar as Sagradas Espécies aos doentes: “Nullus praesumat tradere communionem laico vel femminae ad deferendum infirmo” (“Ninguém ouse entregar a comunhão a um leigo ou a uma mulher para portá-la a um enfermo”) (P. L. V., coll. 163-168).
São Gregório Magno narra que Santo Agapito, Papa de 535 a 536, durante os poucos meses de seu pontificado, dirigindo-se a Constantinopla, curou um surdo-mudo instantaneamente no momento em que “ei dominicum Corpus in os mitteret” (colocou em sua boca o Corpo do Senhor) (Dialoghi, III, 3).
Isso ocorreu na Igreja do Oriente. Já no Ocidente é indubitável que o próprio São Gregório Magno administrava desse modo a Santa Comunhão aos leigos.
Já bem antes o Concílio de Saragoza, no ano 380, havia lançado a excomunhão contra aqueles que ousassem tratar a Santíssima Eucaristia como se estivessem em tempos de perseguição, ou seja, tempos em que ao fiel leigo era permitido tocar as espécies sagradas caso se encontrasse numa situação de necessidade (Saenz de Aguirre, Noticia Conciliorum Hispaniae, Salamanca, 1686, pág. 495).
Certamente que até mesmo naquela época inovadores indisciplinados era o que não faltava. Por isso mesmo as autoridades eclesiásticas se viram na necessidade de chamá-los à ordem. Assim fez o Concílio de Rouen, por volta do ano 650, proibindo o ministro da Eucaristia [o padre] de dispor as Sagradas Espécies sobre as mãos do comungante leigo: “[Presbyter] illud etiam attendat ut eos [fideles] propria manu communicet, nulli autem laico aut faeminae Eucharistiam in manibus ponat, sed tantum in os eius cum his verbis ponat: ‘Corpus Domini et sanguis prosit tibi in remissionem peccatorum et ad vitam aeternam’. Si quis haec transgressus fuerit, quia Deum omnipotentem comtemnit, et quantum in ipso est inhonorat, ab altari removeatur” ([Ao Presbítero] tocará também isso: no tocante ao fiel leigo comungar com as próprias mãos; não deponha a Eucaristia sobre as mãos de nenhum leigo ou mulher, mas só sobre os lábios, com as seguintes palavras: ‘O Corpo e o Sangue do Senhor te guardem para a remissão dos pecados e para a vida eterna’. Quem quer que tenha transgredido tal norma, desprezando portanto Deus onipotente e o desonrando, deverá ser removido do altar) (Mansi, vol. X, coll. 1099-1100).
No tocante aos arianos, exatamente para demonstrar que não acreditavam na divindade de Jesus Cristo e que consideravam a Eucaristia apenas como uma pão puramente simbólico, era costume comungar estando em pé e tocando as espécies eucarísticas diretamente com as mãos. Não foi sem razão que Santo Atanásio se levantou contra a apostasia ariana (P. G. vol. XXIV, col. 9 ss).
Não podemos negar que em certos casos, em certas igrejas particulares e por algum tempo, tenha sido permitido aos leigos tocar as Sagradas Espécies com as próprias mãos. Mas não só podemos negar com provas irrefutáveis que esse tenha sido o costume ordinário por mais de mil anos tanto na Igreja Oriental como na de rito latino, como também podemos afirmar que mais falso ainda é dizer que esse deveria ser o costume para os dias de hoje. Cabe lembrar que até no culto devido à Santa Eucaristia houve um sábio progresso, análogo àquele que ocorreu no campo dogmático (o qual nada tem a ver com a teologia modernista da morte de Deus).
Tal progresso litúrgico tornou universal o costume de ajoelhar-se em ato de adoração e portanto o uso dos genuflexórios; o uso de cobrir a balaustrada com uma toalha alva de linho, o uso da patena e às vezes de uma tocha ou vela acesa; seguido da prática de reservar alguns minutos para a ação de graças logo após a Comunhão. Abolir tudo isso que é parte vital da Tradição Litúrgica não é incrementar o culto devido à Santa Eucaristia e nem a fé ou santificação dos fiéis, mas sim servir ao demônio.
Quando São Tomás de Aquino (Summa Theologica, III, q. 83, a 3) expõe os motivos pelos quais é vetado aos fiéis leigos tocar as Sagradas Espécies, ele não fala de um rito inventado recentemente, mas de um costume litúrgico antigo como é a própria Igreja. Não foi sem razão que o Concílio de Trento não apenas afirmou que na Igreja de Deus é costume constante e ordinário que os leigos recebam a Comunhão das mãos dos sacerdotes e que os sacerdotes comunguem por si mesmos, como também afirmou que esse costume é de origem apostólica (Denzinger, 881). Eis porque encontramos a mesma norma prescrita no Catecismo de São Pio X (642-645). Ora, tal norma jamais foi ab-rogada: no Novo Missal Romano, artigo 117, lê-se que o comungante tenens patenam sub ore, sacramentum accipit (tendo a patena sob a boca, receba o sacramento).
Depois disso, não dá pra entender como os próprios promulgadores de tão sábia norma sejam os primeiros a dispensá-la de diocese em diocese, uma paróquia atrás da outra. O simples fiel, diante de tanta incoerência, não poderia reagir de outro modo, senão demonstrar uma completa indiferença e desprezo pelas leis eclesiásticas e litúrgicas.”
(Rev. Giuseppe Pace, S.B.D, San Cirilo di Gerusalemme e la Comunione sulla Mano)

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