sexta-feira, 2 de julho de 2010
Santo Tomás de Aquino na corte do rei São Luís da França
“Paris era verdadeiramente na época uma aurora borealis, uma luz do sol no norte. Temos de nos dar conta de que as terras mais próximas de Roma estavam apodrecidas pelo paganismo, pelo pessimismo e pelas influências orientais, sendo a mais respeitável destas últimas a de Maomé. A cidade francesa de Provença e todo o sul do país estavam tomados por uma febre de niilismo, ou misticismo negativo, e do norte da França partiram as espadas e lanças que varreram tudo o que fosse anticristão. No norte também surgira o esplendor das construções que brilham como espadas e lanças: os primeiros pináculos do estilo gótico. Falamos agora dos cinzentos edifícios góticos; mas eles devem ter sido bem diferentes quando se elevaram, brancos e brilhantes, no céu do norte, parcialmente respingados de cores douradas e brilhantes; eram um novo vôo da arquitetura, espantosos como naves espaciais. A nova Paris que São Luís deixou finalmente atrás de si deve ter sido algo branco como lírios e esplêndido como a auriflama. Foi o começo de algo novo e grandioso: a nação francesa, que iria interferir decisivamente, superando-a, na velha batalha entre o papa e o imperador nas terras de onde Tomás de Aquino viera. Mas São Tomás dirigiu-se à corte muito contra a própria vontade, e, se se pode dizer isso de um homem tão delicado, bastante retraído. Quando ele entrou em Paris, mostraram-lhe do alto da colina o esplendor dos novos pináculos que apareciam, e alguém disse algo do tipo: “Como deve ser maravilhoso possuir aquilo tudo.” E Tomás de Aquino apenas murmurou: “Eu preferia ter o manuscrito de São João Crisóstomo, que não consigo encontrar.”
De alguma maneira conseguiram levar aquele volume relutante de reflexão a um lugar no salão de banquetes real; e tudo o que sabemos de São Tomás nos diz que ele foi perfeitamente cortês com todos os que falaram com ele, mas que falou pouco, e logo foi esquecido na mais brilhante e barulhenta conversa do mundo: o ruído dos franceses falando. Não sabemos sobre o que aqueles franceses falavam, mas eles se esqueceram por completo do grande italiano gordo que estava em seu meio, e parece bem possível que este também tenha se esquecido inteiramente deles. Silêncios repentinos ocorrem mesmo em conversas francesas, e num desses silêncios veio a interrupção. Durante muito tempo, não veio palavra ou movimento daquele grande bloco de roupa preta e branca, semelhante a roupas de luto, que o fazia sobressair como frade mendicante nas ruas, e contrastava com todas as cores, padrões e divisões daquela primeira e mais fresca alvorada do cavalheirismo e da heráldica. Os escudos triangulares, as bandeirolas das lanças e as lanças pontiagudas, as espadas triangulares da Cruzada, as janelas pontudas e os capuzes cônicos repetiam por toda a parte o frescor do espírito medieval francês que, em todos os sentidos, chegara ao ponto. Mas as cores dos casacos eram alegres e variadas, deixando pouco a dizer sobre sua riqueza. Porque São Luís, que tinha ele mesmo a qualidade de ir direto ao ponto, dissera a seus cortesãos: “Deve-se evitar a vaidade; mas todo homem deve vestir-se bem, de acordo com a sua posição, a fim de que sua esposa possa amá-lo mais facilmente.”
E de repente os cálices saltaram e balançaram nas mesinhas, e a grande mesa se abalou, porque o frade batera o punho como uma clava de pedra, fazendo um barulho que espantou a todos como se fosse uma explosão; e exclamara com voz forte, mas como alguém dominado por um sonho: “E isto encerra o assunto com os maniqueus!”
O palácio de um rei, mesmo quando é o palácio de um santo, tem suas convenções. Um choque percorreu a corte, e todos se sentiram como se o frade gordo da Itália tivesse atirado um prato no rei Luís, ou entortado a coroa em sua cabeça. Todos olharam timidamente para o terrível assento que era há mil anos o trono de todos os Capetos; e muitos dos que ali estavam presumivelmente se preparavam para jogar o mendigo de roupa preta pela janela. Mas São Luís, simples como parecia ser, não era uma mera fonte medieval de honra e nem mesmo de misericórdia; era também fonte de dois rios eternos: a ironia e a cortesia da França. E ele se virou para os secretários e lhes pediu em voz baixa que levassem imediatamente suas lousas à mesa do debatedor distraído e anotassem o argumento que acabara de vir à mente de Tomás de Aquino; porque poderia ser um argumento muito bom e ele poderia se esquecer dele.”
(Gilbert Keith Chesterton, Saint Thomas Aquinas – “The Dumb Ox”)
Tradução de Maria Stela Gonçalves
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