quarta-feira, 9 de junho de 2010

A teologia poética de Santo Efrém


“Segundo a opinião comum de hoje, o cristianismo seria uma religião européia, que teria exportado depois a cultura desse continente para outros países. Mas a realidade é muito mais complexa, porque a raiz da religião cristã se encontra no Antigo Testamento e portanto em Jerusalém e no mundo semítico. O cristianismo alimenta-se sempre dessa raiz do Antigo Testamento. Também a sua expansão nos primeiros séculos se verificou quer a Ocidente, no mundo greco-latino, onde inspirou depois a cultura européia, quer a Oriente, até à Pérsia, à Índia, contribuindo assim para suscitar uma cultura específica, em línguas semíticas, com uma identidade própria. Para mostrar essa pluriformidade da única fé cristã dos inícios, na catequese de quarta-feira passada falei de um representante desse outro cristianismo, Afrates, o sábio persa, por nós quase desconhecido. Na mesma linha desejaria falar hoje sobre Santo Efrém, nascido em Nisibis por volta de 306 numa família cristã. Ele foi o mais importante representante do cristianismo de língua síria e conseguiu conciliar de modo único a vocação de teólogo com a de poeta. Formou-se e cresceu ao lado de Tiago, Bispo de Nisibis (303-338) e, juntamente com ele, fundou a escola teológica da sua cidade. Ordenado diácono, viveu intensamente a vida da comunidade cristã local até 363, ano em que Nisibis caiu nas mãos dos persas. Efrém então emigrou para Edessa, onde prosseguiu sua atividade de pregador. Faleceu nesta cidade no ano de 373, vítima do contágio contraído no cuidado dos doentes da peste. Não se tem a certeza se era monge, mas é certo que permaneceu diácono toda sua vida e abraçou a virgindade e a pobreza. Assim se mostra na especificidade da sua expressão cultural a comum e fundamental identidade cristã: a fé, a esperança que permite viver pobre e casto neste mundo, pondo todas as expectativas no Senhor, e por fim a caridade, até ao dom de si mesmo na cura dos doentes da peste.
Santo Efrém deixou-nos uma grande herança teológica: a sua considerável produção pode reunir-se em quatro categorias: obras escritas em prosa ordinária (as suas obras polêmicas, ou os comentários bíblicos); obras em prosa poética; homilias em versos; por fim os hinos, certamente a obra mais ampla de Efrém. Ele é um autor rico e interessante sob muitos aspectos, mas sobretudo sob o perfil teológico. A especificidade do seu trabalho é que nele teologia e poesia se encontram. Querendo aproximar-nos da doutrina, devemos insistir desde o início sobre este aspecto: isto é, o fato de que ele faz teologia de forma poética. A poesia permite-lhe aprofundar a reflexão teológica através de paradoxos e imagens. Ao mesmo tempo sua teologia torna-se liturgia, torna-se música: de fato, ele era um grande compositor, um músico. Teologia, reflexão sobre a fé, poesia, canto e louvor a Deus caminham juntos; e é precisamente nesse caráter litúrgico que na teologia de Efrém sobressai nitidamente a verdade divina. Na sua busca de Deus, no seu fazer teologia, ele segue o caminho do paradoxo e do símbolo. As imagens contrapostas são por ele amplamente privilegiadas, porque lhe servem para ressaltar o mistério de Deus.
Não posso agora apresentar muito acerca dele, também porque a poesia dificilmente se pode traduzir, mas para dar pelo menos uma idéia gostaria de citar uma parte de dois hinos. Antes de tudo, também em vista do próximo Advento, proponho-vos algumas maravilhosas imagens tiradas dos hinos Sobre a Natividade de Cristo. Diante da Virgem, Efrém manifesta com tonalidade inspirada a sua estupefação:
"O Senhor vem a ela / para se fazer servo. / O verbo veio a ela / para descer no seu seio. / O relâmpago veio a ela / para não fazer barulho algum. / O pastor veio a ela / e eis o Anjo nascido, que humildemente chora. / Dado que o seio de Maria / inverteu os papéis:
Aquele que criou todas as coisas / entrou em sua posse, mas pobre. / O Altíssimo veio a ela (Maria), / mas entrou humilde. / O esplendor veio a ela, / mas revestido de humildes vestes. / Aquele que prodigaliza todas as coisas / conheceu a fome. / Aquele que dessedenta todos / conheceu a sede. / Nu e despojado saiu dela, ele que reveste (de beleza) todas as coisas".
(Hino "De Nativitate" 11, 6-8).
Para expressar o mistério de Cristo, Efrém usa uma grande diversidade de temas, de expressões, de imagens. Em um dos seus hinos, ele relaciona de modo eficaz Adão (no paraíso) com Cristo (na Eucaristia): "Foi fechando / com a espada do querubim, / que fechou o caminho da árvore da vida. / Mas para os povos, / o Senhor desta árvore / deu-se como alimento / ele mesmo na oblação (eucarística). / As árvores do Éden / foram dadas como alimento / à primazia de Adão. / Para nós, o jardineiro / do Jardim em pessoa / fez-se alimento / para as nossas almas. / De fato, todos tínhamos saído / do Paraíso juntamente com Adão, / que o deixou para trás. / Agora que a espada foi tirada / lá (na cruz) da lança / nós podemos ali voltar".
(Hino 49, 9-11).
Para falar da Eucaristia, Efrém serve-se de duas imagens: as brasas e o carvão ardente, e a pérola. O tema das brasas é tomado do profeta Isaías (cf. 6, 6). É a imagem do serafim que, com as pinças, pega nas brasas e simplesmente toca de modo leve os lábios do profeta para os purificar; o cristão, ao contrário, toca levemente e consome a Brasa, que é o próprio Cristo:
"No teu pão esconde-se o Espírito / que não pode ser consumado; / no teu vinho há o fogo que não se pode beber. / O Espírito no teu pão, o fogo no teu vinho: / eis uma maravilha acolhida pelos nossos lábios. / O serafim não podia aproximar os seus dedos da brasa, / que foi aproximada apenas pelos lábios de Isaías; / nem os dedos lhe pegaram, nem os lábios a engoliram; / mas o Senhor concedeu-nos fazer as duas coisas. / O fogo desceu com ira para destruir os pecadores, / mas o fogo da graça desce sobre o pão e nele permanece. / Em vez do fogo que destruiu o homem, / comemos o fogo no pão / e fomos vivificados".
(Hino "De Fide" 10, 8-10).
E ainda um último exemplo dos hinos de Santo Efrém, onde fala da pérola como símbolo da riqueza e da beleza da fé:
"Coloquei (a pérola), meus irmãos, na palma da mão, / para a poder examinar. / Observei-a de uma parte e da outra: / tinha um só aspecto nos dois lados. / (Assim) é a busca do Filho, imperscrutável, / porque ela é toda luz. / Na sua nitidez eu vi o Nítido, / que não se torna opaco; / e na sua pureza, / o símbolo grande do corpo de nosso Senhor, / que é puro. / Na sua indivisibilidade, vi a verdade, / que é indivisível".
(Hino "Sobre a Pérola" 1, 2-3).
A figura de Efrém ainda é plenamente atual para a vida das várias Igrejas cristãs. Descobrimo-lo em primeiro lugar como teólogo, que a partir da Sagrada Escritura reflete poeticamente sobre o mistério da redenção do homem realizada por Cristo, Verbo de Deus encarnado. A sua é uma reflexão teológica expressa com imagens e símbolos tirados da natureza, da vida quotidiana e da Bíblia. À poesia e aos hinos para a liturgia, Efrém confere um caráter didático e catequético; trata-se de hinos teológicos e ao mesmo tempo adequados para a recitação ou o cântico litúrgico. Efrém serve-se desses hinos para difundir, por ocasião das festas litúrgicas, a doutrina da Igreja. Com o tempo eles revelaram-se um meio catequético extremamente eficaz para a comunidade cristã.
É importante a reflexão de Efrém sobre o tema de Deus criador: na criação nada está isolado e o mundo é, ao lado da Sagrada Escritura, uma Bíblia de Deus. Usando de modo errado a sua liberdade, o homem inverte a ordem da criação. Para Efrém é relevante o papel da mulher. O modo como ele fala dela é sempre inspirado na sensibilidade e no respeito: a habitação de Jesus no seio de Maria elevou em grande medida a dignidade da mulher. Para Efrém, assim como não há Redenção sem Jesus, também não há Encarnação sem Maria. As dimensões divina e humana do mistério da nossa redenção encontram-se já nos textos de Efrém; de modo poético e com imagens fundamentalmente escrituristas, ele antecipa o quadro teológico e de certo modo a própria linguagem das grandes definições dos concílios do século V.
Efrém, honrado pela tradição cristã com o título de "cítara do Espírito Santo", permaneceu diácono da sua Igreja toda a vida. Foi uma escolha decisiva e emblemática: ele foi diácono, isto é, servo, quer no ministério litúrgico, quer, mais radicalmente, no amor a Cristo, por ele cantado de modo inigualável, quer por fim na caridade para com os irmãos, que introduziu com rara maestria no conhecimento da divina Revelação.”
(Bento XVI, Audiência Geral de 28 de Novembro de 2007)

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2007/documents/hf_ben-xvi_aud_20071128_po.html

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