"Distorções históricas são difíceis de endireitar. Um erro referente a um composto químico ou aos horários dos vôos de uma companhia aérea se manifestará no tempo devido com uma explosão ou com uma conexão perdida, mas idéias erradas sobre o passado podem persistir por séculos, apesar do diligente trabalho de historiadores, seja porque interesses pessoais beneficiam-se das distorções (a visão
whig da história), seja porque a versão fantasiosa é mais divertida.
Isso é particularmente verdadeiro quanto aos Cavaleiros do Templo de Salomão, os Templários. A ordem foi fundada no início do século doze por um cavaleiro de Champagne, França oriental, chamado Hugo de Payens, que, cinco anos após a captura de Jerusalém pela Primeira Cruzada, fez uma peregrinação na Terra Santa com seu senhor feudal e homônimo, Conde Hugo de Champagne. Vendo a necessidade de os cavaleiros protegerem os peregrinos dos saqueadores muçulmanos, mas também percebendo um chamado de Deus para viver a vida de monge, Hugo e oito companheiros formaram uma comunidade híbrida de cavaleiros-monges que faziam votos de pobreza, castidade e obediência e seguiam a regra de uma ordem religiosa mas permaneciam em armas.
Nem todos os líderes da Igreja à época aprovavam essa idéia de uma ordem militar. São Bruno, o fundador dos Cartuxos, tinha sérias dúvidas a respeito da legitimidade moral de matar por Cristo. Contudo, Hugo de Payens encontrou um paladino no líder religioso de seu tempo, São Bernardo de Claraval, que não apenas apoiou a idéia como esboçou uma regra estrita, semelhante à da sua própria ordem Cisterciense, que foi aprovada pelo Papa.
Era uma idéia cujo tempo havia chegado. Todos os governantes da Cristandade Latina desejavam ir às cruzadas mas corriam o risco de usurpação se deixassem seus reinos por pouco tempo que fosse. Os Templários se tornaram seus procuradores. Doações de terra forneceram renda com a qual a ordem pôde equipar cavaleiros, soldados e escudeiros, construir castelos e empregar mercenários. Seu voto monástico de obediência resultou em uma disciplina militar impossível de impor aos cavaleiros vaidosos e temperamentais. Não havia limite ao seu período de serviço, como havia com os vassalos; como celibatários, não tinham filhos a sustentar; e a autoridade dentro da ordem não dependia de vínculos feudais. O líder dos Assassinos Sírios, Sinan ibn-Salman, dizia que não fazia sentido matar um Grão-Mestre Templário pois haveria sempre outro cavaleiro para ocupar seu lugar.
No começo do século treze, os Templários tinham-se tornado uma instituição rica e poderosa com fortalezas em Londres e Paris, uma rede de propriedades rurais bem administradas em toda a Europa, e uma forte presença política e militar na Terra Santa. Quase não há casos de cavaleiros corruptos – certamente menos que os de monges corruptos – mas há evidências de uma certa arrogância institucional e de consumo conspícuo: a fortaleza dos Templários em Acre era adornada com quatro leões revestidos de ouro que custaram ‘1.500 bezantes Sarracenos’. Os Templários prestavam contas apenas ao Papa, os bispos ressentiam-se de sua autonomia e os reis, de sua riqueza.
Em 1307, o Rei Felipe da França, buscando um modo de equilibrar o déficit nas finanças reais, decidiu expropriar a propriedade dos Templários. Acusando a ordem de traição, blasfêmia, sodomia e culto ao demônio, ordenou a prisão de todos os cavaleiros em sua jurisdição e exortou os Reis da Inglaterra e de Aragão a fazerem o mesmo. A tortura e o julgamento subseqüentes dos Templários, a procrastinação do Papa à época, Clemente V, e a dissolução da ordem no Concílio de Viena em 1311, são um dos mais vergonhosos episódios na história da Igreja Medieval.
Tão desgraçada como o destino dos últimos Templários – o Grão-Mestre, Jacques de Molay, foi queimado na fogueira em Paris – foi a apropriação da ordem por franco-maçons fazedores de mitos no século dezoito, cuja mistagogia e ofuscação persiste até o dia de hoje. Do
Ivanhoe de Walter Scott até
O Código Da Vinci de Dan Brown, o retrato dos Templários é tão falso como absurdo. Tal distorção exasperou, e mesmo enraiveceu, a historiadora francesa Régine Pernoud, que já corrigiu muitas de nossas idéias falsas sobre a Idade Média em seu livro
Aquela Terrível Idade Média: Desconstruindo os Mitos. Agora, em
Os Templários, ela reabilita os devotos cavaleiros Católicos, desmascarando “a incrível produção de alegações fantasiosas atribuindo aos Templários toda sorte de rituais e credos esotéricos, dos mais antigos aos mais vulgares...” Como ressalta corretamente, a verdade é acessível em arquivos e bibliotecas; não é impossível descobrir os fatos. O resultado é uma história excelente e sem adornos que é um prazer de ler.
Onde há controvérsia, ela dá sua opinião baseada em seu vasto conhecimento da Idade Média. Considera que as acusações feitas aos Templários são falsas: “apenas alguns historiadores, determinados a defender a todo custo a memória de Felipe, o Belo, dão qualquer fé às acusações das quais os Templários foram vítimas.” Ela também põe a dissolução da ordem em contexto histórico, comparando-a à supressão da Companhia de Jesus no século dezoito; e mostrando que a lavagem cerebral e a tortura às quais os Templários foram sujeitos pressagiam os métodos dos governos totalitários dos tempos modernos.
Não há santos canonizados entre os Templários. Além dos Grão-Mestres, pouco se sabe acerca dos cavaleiros que juntavam-se à ordem: poucos sabiam ler ou escrever (o que provaria ser uma grande desvantagem quando de sua prisão) e nenhum deixou qualquer registro do que pensava ou do que sofria. Todo cavaleiro que entrava na ordem sabia que provavelmente morreria em batalha. O branco de sua túnica era o dos mártires do Apocalipse, e o vermelho da cruz o sangue que seria vertido. Após a derrota dos Cristãos Latinos na Batalha de Hattin, aos cavaleiros Templários prisioneiros ofereceu-se a escolha de apostasia ou morte. Nenhum escolheu negar Cristo. Todos foram decapitados por extasiados Sufis às ordens de Saladino. Saladino ganhou ao fim a fama de misericordioso e magnânimo na vitória – outra distorção histórica; os cavaleiros Templários, podemos estar certos, ganharam uma recompensa eterna."
(Piers Paul Read,
Historical Distortions and The Templars, prefácio ao livro de Régine Pernoud,
The Templars: Knights of Christ)
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