quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A estrebaria


“Jesus nasceu numa estrebaria.
A estrebaria não é o pórtico airoso e leve que os pintores cristãos, envergonhados com o berço sujo e miserável em que repousou o seu Deus, levantaram ao filho de Davi; não é o presépio de gesso imaginado hoje pela fantasia dos vendedores de estatuetas, presépio limpo e ordenado, com o burro e o boi em êxtase piedoso, com anjos desdobrando no teto uma bandeirola e com dois grupos de reis de ricos mantos e pastores encapuzados, simetricamente ajoelhados, em torno dele.
O presépio será talvez um sonho de noviços, um luxo de vigários, um brinquedo de crianças, o vaticinato ostello de Manzoni, mas não é o estábulo em que nasceu Jesus. O estábulo é a casa dos animais, a prisão dos animais que trabalham para o homem. O velho e pobre estábulo do país de Jesus não tem colunas nem capitéis; desconhece o luxo das nossas estrebarias; nem é a graciosa choupana das vésperas de Natal. Quatro paredes, a laje suja e o teto de traves e de telhas; escura, fétida, só tem de limpo a manjedoura, onde o patrão prepara o feno. As ervas dos campos – frescas nas manhãs claras, ondulando ao vento, ensolaradas e úmidas – foram cortadas, as folhas altas e finas caíram, ao ancinho, com as flores abertas, brancas, azuis, amarelas, vermelhas. Tudo murchou e secou sob a cor pálida do feno; e os bois levaram para o telheiro os despojos mortos da primavera. Agora as ervas e as flores, secas mas perfumadas ainda, jazem na manjedoura para a fome dos animais escravos que lentamente aí mergulham os grossos beiços negros e transformam em úmido estrume o campo florescido. Esse é o verdadeiro Estábulo onde Jesus nasceu. O lugar mais imundo foi a primeira morada do único Ser puro nascido da mulher. O filho do homem, que devia ser devorado pelos animais que se chamam homens, teve por primeiro berço a manjedoura, onde os animais ruminam as maravilhosas flores da primavera.
Isso não se deu por acaso; não é a terra um estábulo imenso, onde o homem mastiga e digere? Porventura uma infernal alquimia não transforma em estrume as coisas mais belas, mais puras, mais divinas? Monturo onde a gente se revolve: a isso os homens chamam “gozar a vida”. Em semelhante mundo, morada precária cujos ornamentos mal disfarçam a podridão, Jesus nasceu, uma noite, de uma virgem sem mancha, agasalhado unicamente com a sua inocência.”
(Giovanni Papini, Storia di Cristo)

Tradução do Pe. Lindolfo Esteves

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