““E como se pode falar de 'nova tirania', quando nunca antes os homens desfrutaram de tanta liberdade e de tantos direitos?”, poderia perguntar-se um leitor desavisado. As tiranias clássicas se distinguiam, de fato, por reprimir a liberdade e negar os direitos; e os homens tinham consciência de tal usurpação, porque, despojados de algo que lhes pertencia por natureza, sentiam-se rebaixados. Esta nova tirania a que nos referimos, ao contrário, tem exaltado o homem até a adoração, dando-lhe a oportunidade de transformar seus interesses e desejos em liberdades e direitos, que já não são inerentes a sua natureza, senão “concessões graciosas” de um poder que as consagra legalmente. E assim, transformado em criança que contempla como seus caprichos são maximizados e satisfeitos, o homem de nosso tempo é mais refém do que nunca dessas instâncias de poder que lhe garantem o gozo de uma liberdade onímoda e direitos em contínua expansão. Ao homem submetido às tiranias clássicas ficava pelo menos o consolo de saber-se oprimido por um poder que violentava sua natureza; o homem submetido a esta nova tirania, ao contrário, não tem outro consolo que a proteção do poder que o elevou a um altar de adoração.
E assim, o homem elevado ao altar de adoração se transforma, sem sequer se dar conta, em um instrumento nas mãos desse poder que dele cuida com minucioso esmero, como as formigas cuidam dos pulgões que depois ordenham. E em troca dessas “concessões graciosas” que o poder lhe dispensa, o homem acata a visão hegemônica do mundo que o poder lhe impõe, transformando-o em objeto de engenharia social. Essa visão hegemônica – que na verdade não passa de uma miragem, uma grande ilusão ou
trompe-l'oeil que os homens aceitam gregariamente – nós a denominamos aqui de “Matriz progressista”. Quem se atreve a questionar tal
trompe-l'oeil é imediatamente anatematizado como um réprobo ou um blasfemo; ou seja, como um inimigo da adoração do homem. Essa Matriz progressista, usada pela esquerda, também foi assimilada pela direita, que renunciou a fazer guerra a seu adversário lá onde esta guerra resultaria eficaz e dinâmica, ou seja, no âmbito dos princípios; e, em sua capitulação, limita-se a introduzir variações insignificantes no funcionamento dessa grande máquina que é a Matriz progressista, sem atrever-se a inutilizar suas engrenagens, que é o mesmo que arar sem bois.
A Matriz progressista tornou-se, assim, uma espécie de fé messiânica: instaurou uma nova ordem, impôs paradigmas culturais inatacáveis, estabeleceu uma nova antropologia que, prometendo ao homem a liberação final, só lhe reserva seu futuro suicídio. E, contra essa nova ordem semi-religiosa, somente se mantém de pé a ordem religiosa, que restitui ao homem sua verdadeira natureza e propõe uma visão de mundo correta que ataca os fundamentos do
trompe-l'oeil sobre o qual se assenta a nova tirania, dissolvendo suas falsificações. Uma visão que a nova tirania combate com denodo; pois, de fato, essa ordem religiosa é a única fortaleza que resta a derrubar, para que seu triunfo seja completo. O laicismo descontrolado acusa a Igreja de imiscuir-se na política, citando a seu favor aquela passagem evangélica que costumam brandir aqueles que nunca lêem o Evangelho: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Mas que pertence a César? As coisas temporais, as realidades terrenas; mas certamente não os princípios de ordem moral que surgem da própria natureza humana, não os fundamentos éticos da ordem temporal. A nova tirania, tão zelosa de expandir as “liberdades” de seus súditos, nega à Igreja a liberdade de julgar a moralidade das ações temporais, pois sabe que tal juízo incorpora uma radical subversão do
trompe-l'oeil sobre o qual se assenta a nova tirania. Deseja uma igreja farisaica e corrompida que renuncie a restituir ao homem sua verdadeira natureza e acate o “mistério da iniqüidade”, que é a adoração do homem; deseja, enfim, uma igreja de joelhos diante de César, transformada nessa “grande prostituta que fornica com os reis da terra” de que nos fala o Apocalipse.
E essa é a grande batalha que hoje se trava no Ocidente, disfarçada mui habilmente de “batalha ideológica” pela nova tirania. Mas se fosse realmente uma “batalha ideológica”, a nova tirania não a contemplaria como uma subversão; pois a ideologia é precisamente o caldo de cultura que favorece seu domínio, instaurando uma “demogresca”, uma luta “democrática” de todos contra todos, que transforma os homens em crianças petulantes que lutam por suas “liberdades” e “direitos”, como os construtores de Babel lutavam, em meio à confusão, para erigir uma torre que alcançasse o céu. A batalha que hoje se trava não é de índole ideológica, mas antropológica, pois o que procura é restituir aos homens sua verdadeira natureza, permitindo-lhes sair da confusão babélica fomentada pela ideologia, até alcançar o caminho que conduz aos princípios originários. Se tiver sucesso – se a Matriz for desativada – os homens descobrirão que não precisam construir torres que cheguem ao céu, pela simples razão de que o céu já está dentro deles, ainda que a nova tirania tente arrebatá-lo.”
(Juan Manuel de Prada,
La Nueva Tiranía. El Sentido Común frente al Mátrix Progre)
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