terça-feira, 30 de julho de 2024
O aborto e a contracepção na Roma antiga
“As adoções e a ascensão social de certos libertos compensavam a fraca reprodução natural, pois a mentalidade romana é bem pouco naturalista. Aborto e contracepção eram práticas usuais, mas o que deturpa o quadro feito pelos historiadores é que os romanos abrangiam sob o termo aborto métodos cirúrgicos que também chamamos como tal e outros que denominamos de contracepção… Pois em Roma pouco importa o momento em que a mãe se livra de um futuro filho indesejado.
Nem os moralistas mais severos podiam impor à mãe o dever de guardar seu fruto: nem sequer pensaram em reconhecer ao feto o direito de viver. O recurso a um método de contracepção é difuso em todas as classes da população; santo Agostinho refere-se a "amplexos nos quais se evita a concepção" não como uma coisa rara e os condena, mesmo que ocorram com a esposa legítima; ele distingue contracepção, esterilização por meio de drogas e aborto e os condena igualmente. Alfred Sauvy escreveu: "Pelo que hoje sabemos sobre o poder multiplicador da espécie humana, a população do Império teria se multiplicado muito mais e ultrapassado seus limites".
Qual era o procedimento utilizado? Plauto, Cícero e Ovídio aludem ao costume pagão da lavagem após o ato sexual, e um vaso em relevo encontrado em Lyon mostra um servo com um cântaro correndo para um casal muito ocupado na cama; mascarado de higiênico, o costume podia ser contraceptivo. Tertuliano, polemista cristão, considera que, uma vez emitido, o esperma já é uma criança (e assimila a fellatio à antropofagia); ora, em O véu das virgens, faz uma alusão, obscura com tanta truculência obscena, às falsas virgens para as quais parto e concepção são a mesma coisa: paradoxalmente, elas recusam ao mundo crianças semelhantes ao pai e com essa recusa as matam; alusão a um pessário. Na carta XXII, são Jerônimo fala das moças "que degustam de antemão a própria esterilidade e matam o ser humano antes mesmo de ele ser semeado": alusão a uma droga espermicida. Quanto ao ciclo menstrual, o médico Soranos prescrevia, a partir de posições teóricas, que as mulheres concebessem logo antes ou logo após as regras — doutrina que felizmente permaneceu esotérica. Todos esses procedimentos estão a cargo da mulher; não há nenhuma alusão ao coitus interruptus.
Quantos filhos eles têm? A lei concedia um privilégio às mães de três filhos, entendendo que elas haviam cumprido seu dever, e esse número parece ter predominado; as indicações de epitáfios são difíceis de interpretar com certeza; os textos, em contrapartida, falam com particular frequência de famílias de três filhos. E falam até por provérbio. Um epigramatista quer criticar uma mulher que, por avareza, deixa os filhos passarem fome? Escreverá: "seus três rebentos". Um pregador estóico perguntará: "Acreditamos que já fizemos muito ao pôr no mundo, para assegurar a perpetuação da raça, dois ou três fedelhos?". Tal malthusianismo constituía uma estratégia dinástica; como escreveu Plínio a um de seus correspondentes, quando já se tem um rebento, é preciso encontrar um genro ou uma nora abastados para o segundo. Não se desejava, portanto, fragmentar as sucessões. É verdade que a moral antiga ignorava tais cálculos e, ainda na época de Plínio, era a moral de certos pais de família antiquados que "não deixavam em repouso a fecundidade da esposa, embora em nosso tempo a maioria das pessoas julgue que um filho único constitui já uma carga pesada e é uma vantagem não se carregar de posteridade". Mudariam as coisas à medida que se aproxima o final do século II de nossa era, no qual se instala a moral estóica e cristã. O orador Frontão, mestre de Marco Aurélio, "perdeu cinco filhos" por mortalidade juvenil; devia ter muitos mais; o próprio Marco Aurélio teria nove filhos e filhas. Depois de três séculos renascia a idade de ouro em que Cornélia, mãe dos Graco e mulher exemplar, dera à pátria doze filhos.”
(História da Vida Privada, Vol. I: do Império Romano ao Ano Mil)
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