quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
Juan Vázquez de Mella: A batalha que se aproxima
“Uma das frases feitas e dos lugares comuns que servem de recheio nas dissertações e escritos dos modernos charlatães e sociólogos é, sem dúvida, a de que estamos em um período de transição. Os mesmos que repetem de contínuo a frase não compreendem seu verdadeiro sentido, e procuram traduzi-la de um modo fartamente otimista, supondo que com ela se quer indicar a mudança que se está operando no seio das sociedades entre o antigo regime cristão, fundado no direito católico, e o regime moderno, fundado no direito novo, entendendo por este a democracia individualista ou harmônica que se vai lentamente estabelecendo sobre os restos do antigo mundo, já carcomido e decrépito.
Porém, na realidade, por pouco que se medite e observe, é outra a transição que estamos presenciando e outro muito distinto o combate que se trava no mundo.
O liberalismo individualista e eclético, radical e doutrinário, foi indubitavelmente durante grande parte do século, e ainda o é para alguns espíritos retardatários, o supremo ideal que pugnava por entronizar-se nos povos, e que explicava com suas contendas a convulsão da sociedade moderna, período angustiosíssimo que terminaria de um modo feliz quando as novas idéias houvessem passado dos espíritos aos fatos e graças a elas Cristo descesse do altar para ceder o posto à razão emancipada do jugo de sua Cruz.
Mas ocorreu justamente o contrário do que esperavam os modernos redentores da Humanidade. O mundo por eles combatido foi ao chão na ordem política, mantendo-se firme na social, apesar das violentas acometidas e dos sacudimentos com que trataram de remover seus alicerces seculares. Contudo, a nova criação revolucionária, dando mostras da consistência e solidez do princípio racionalista que lhe serviu de pedestal, não chegou a celebrar o primeiro centenário sem que já apareça fendida toda a fábrica, rachados os muros e a ponto de desmoronar-se com estrépito, apesar de haver empregado a maior parte do tempo, não em acrescentar-lhe novas dependências, mas em eliminar a fachada e colocar no edifício andaimaria, a fim de que pudesse prolongar sua mísera existência, retardando o mais possível o descrédito dos arquitetos. Tudo foi em vão. O edifício político e econômico aí está arruinando-se, como todos os edifícios, a partir do telhado, que é o primeiro que se deteriora e se destrói.
Coisa verdadeiramente notável! A revolução política termina sua evolução precisamente no momento em que começa a espalhar-se por toda parte seu descrédito. Dir-se-ia que Deus esperava que os trabalhadores da nova babel lançassem o primeiro grito de júbilo ao ver o adiantado de sua obra, para castigar sua soberba mostrando-lhes o estéril e miserável da empresa de que se orgulhavam.
Liberdade de pensamento e de palavra contra o dever de absoluta dependência que liga o homem a Deus; soberania individual e coletiva contra a natural subordinação do súdito à autoridade legítima; liberdade econômica contra a relação de caridade e justiça que liga os fortes e poderosos aos débeis e pobres; todas as liberdades revolucionárias estão aí de corpo presente, demonstrando-nos com seus desastrosos efeitos a aberração do princípio que as alimenta.
A luta de seitas, escolas e partidos, desgarrando os espíritos e acendendo a guerra nas inteligências e nos corações; a série interminável de oligarquias que com nomes diversos fazem passar sua vontade tirânica pela que se supunha que havia de brotar da massa social, e, por último, a multidão trabalhadora, que diz a seus libertadores que lhe devolvam a antiga regulamentação, porque tanta liberdade liberal a estrangula com o garrote da miséria; tudo isso constitui o grande processo da revolução, dando-se a morte com a picareta com que se havia proposto não deixar em seu lugar uma só pedra do antigo castelo, cuja beleza e majestade nem sequer quis compreender.
Não é, portanto, o mundo cristão o que se derruba para que sobre seus escombros se alce o paganismo restaurado.
A idéia católica, apesar de todas as propagandas revolucionárias, continua sendo a seiva da qual todavia recebem as nações a vida que lhes resta. Se perdeu seu influxo nos Estados, ainda conserva a divina virtualidade para voltar a exercê-la em tempo não distante com a mesma eficácia de outros séculos. O que cai e desmorona é o edifício liberal, apenas levantado.
Uma nova ordem social e econômica, que em tudo que contém de bom é a reprodução do antigo regime cristão, e que em tudo que contém de mal, que é muito, é a exageração do princípio liberal, cujos efeitos trata de evitar, é o que agora se levanta. A revolução liberal política desaparece, e vai-se começar a social. Seu triunfo será mais efêmero que a primeira, mas não o será o ensinamento que a sociedade deduzirá da catástrofe, porque o dia em que se exponha a última conseqüência social da revolução será o primeiro dia da verdadeira restauração cristã da sociedade.
Na nova luta, os liberalismos individualistas e ecléticos serão afastados pelos combatentes com desprezo, para que ambos adversários possam dirimir sem estorvos nauseantes a suprema questão. E é preciso estarem cegos para não verem que os novos e únicos contendentes serão o verdadeiro socialismo católico da Igreja, que proclama a escravidão voluntária da caridade e o sacrifício, e o socialismo ateu da Revolução, que afirma a escravidão pela força e a tirania do Deus Estado.”