“Chamaram-me a atenção as palavras do ministro da Justiça em seu esforço inútil para explicar o assalto do lulopetismo à Petrobrás. Segundo o egrégio senhor, a má índole do povo brasileiro – que teria a corrupção correndo no seu sangue, a qual seria uma herança antiquíssima, passando de geração em geração, com origem remota lá na nossa querida pátria mãe, o velho Portugal – é que seria a responsável pelo descalabro na maior estatal do país.
É verdade que, infelizmente, no Brasil sempre foi comum a prática da propina, dos presentes, dos agrados para obter todo tipo de vantagem e favor do governo. São famosos os sermões do Pe. Antônio Vieira vituperando os corruptos e corruptores do Reino, que ele, com razão, chama república, para indicar que ao rei competia zelar pela coisa pública. Grandes publicistas e sociólogos brasileiros também denunciaram a confusão entre o público e o privado, o patrimonialismo, a malversação e outras chagas da vida político-administrativa do Brasil. Na época da República Velha, o poderoso PRP distribuía benesses entre os seus apaniguados e tudo se justificava com uma frase pronunciada com aquele sotaque caipira de erre carregado, “Governo é governo”. Mas verdade seja dita: no PRP havia homens de bem, como um Campos Salles, o ermitão do Banharão, do qual sei uma história que vale a pena contar. Um primo dele em dificuldade financeira pediu-lhe um cartório, um pedido corriqueiro naqueles tempos, e o presidente respondeu-lhe: “Você esqueceu que somos primos?” E negou-lhe o pedido.
Apesar desses vícios e defeitos, o brasileiro, tendo-se embebido ao longo dos séculos dos princípios da moral católica, adquiriu uma viva e clara noção da proporção das coisas e da gravidade dos atos. A sapientíssima distinção entre pecado leve e pecado grave, ensinada pelo catecismo, auxiliou muito o brasileiro a ter bom senso, a ter critério para julgar as coisas conforme o espírito da lei de Deus e a evitar a hipocrisia e os escrúpulos de uma consciência mal formada. Por exemplo, Gilberto Freyre diz como o brasileiro dos tempos coloniais sabia distinguir bem a gravidade de um pecado contra a natureza de um pecado de fornicação ou da odiosa heresia.
Como se sabe, o protestantismo recusa a distinção entre pecado mortal e pecado venial. Diz que pecado é sempre pecado, porque aos olhos de Deus não haveria pecadinho e pecadão, como várias vezes ouvi de alunos evangélicos nas aulas de Ética Filosófica. Em tais ocasiões tive ocasião de replicar citando a resposta de Nosso Senhor a Pilatos: “Quem me entregou a ti (os judeus) tem maior pecado” (Jo. XIX, 11). Os evangélicos, em geral, interpretam mal as palavras de Cristo “Quem é fiel no pouco é fiel no muito.” (Lc. XVI, 10). Na parábola do administrador infiel o Senhor nos ensina o desapego dos bens terrenos dizendo que ninguém pode servir a dois senhores, a Deus e às riquezas; não pretende absolutamente ensinar que as faltas cometidas pelos homens tenham a mesma gravidade.
É curioso observar que esses rigoristas hipócritas que negam a diferença entre pecado venial e pecado mortal quando se lhes oferece um pequeno presente recusam-no como se fosse uma afronta à dignidade ou uma tentativa soez de suborno, mas quando se lhes propõe uma vantagem nababesca ficam de olhos arregalados… É o que conta o Pe. Vieira em um de seus sermões: uma velhinha ofereceu a um juiz um prato de iguarias e ele a despachou em tom de fingida austeridade; já um grande senhor lhe propôs um bom negócio e a coisa mudou de figura. Portanto, o sentido das palavras do Senhor (quem é fiel no pouco é fiel no muito) não é bem o que pretendem os evangélicos fundamentalistas. O fiel no pouco, quer dizer, aquele que faz o uso dos bens terrenos conforme a vontade de Deus, é fiel também no muito, quer dizer, nas coisas sagradas, nas coisas de Deus.
Infelizmente, no Brasil de hoje, em consequência da crise religiosa que vivemos e da diminuição da influência dos valores católicos tradicionais sobre as consciências individuais e sobre as instituições, chega-se a uma situação tão deplorável como a de ouvir um ministro da Justiça equiparando as duas coisas: a “tentação” de uma simples e vulgar propina a um guarda de trânsito ou a um fiscal da limpeza pública etc (por censurável que seja tal prática) e um assalto predatório às riquezas da nação, ainda mais grave porque faz parte de um projeto político de perpetuação no poder e de total açambarcamento da maquina do Estado.
De fato, o Brasil piorou muito no plano moral. Quem lê as crônicas de Machado de Assis comentando as mazelas nacionais daqueles tempos é tentado até a dizer por que não nasci então! Nada se compara à abominação dos nossos dias de lulopetismo. Quem ouviu as histórias do perrepismo conclui que aqueles homens eram heróis e varões impolutos cotejados com essa súcia que nos governa hoje. Quem lê um Euclides da Cunha, um Oliveira Vianna, um Ségio Buarque de Holanda e outros estudiosos do Brasil fica amargurado com o desvio de rota que sofreu nosso país.
Super flumina Babylonis, illic sedimus et flevimus: cum recordaremur Sion (Ps. 136). Junto dos rios da Babilônia… Sim, sinto-me um exilado na própria pátria. O Brasil, para mim, é hoje uma terra estranha. Não me sinto em casa. Fiquei chocado quando há muitos anos uma senhora suíça me disse: “M. l’Abbé, on n’est plus chez nous en Suisse.” Jamais pensei que um dia teria essa sensação no Brasil.
No Brasil de hoje não se julga mais o homem pelos ideais e valores que defende. Banqueiros e petistas da noite para o dia se unem num pragmatismo vergonhoso, onde não se sabe mais quem é quem. E começo a desconfiar que, além de ladrões, são homens rancorosos e vingativos dos seus inimigos. Qualquer um de nós está sujeito a ter sua vida infernizada pelos agentes e militantes de uma gangue instalada nas prefeituras municipais e secretárias de Estado. E pior: é raro encontrar homens que pensem sobre esses problemas e estejam dispostos a lutar até as últimas gotas de sangue contra esse poder das trevas que se apoderou da Terra de Santa Cruz.”
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