“O erro fundamental de Rajoy (como o de Narváez, denunciado por Donoso Cortés em um célebre discurso parlamentar) foi fundar seu título de glória na satisfação de interesses materiais. Rajoy, como tantos antes dele, esqueceu que “na ordem verdadeira se encontra a união das inteligências no que é verdade, na união das vontades no que é honesto, na união dos espíritos no que é justo”; e tratou de fundar seu êxito em uma suposta recuperação econômica, esquecendo a montanha de injustiças que clamam ao céu sobre as quais dita recuperação se pretendia alcançar, começando pelo homicídio do inocente (aborto) e terminando pela retenção injusta do salário do trabalhador. Recordava-nos Donoso que todo intento de satisfazer os interesses materiais, quando não se funda sobre o respeito aos bens morais e eternos, acaba dando frutos de morte. E, ali onde os interesses materiais se impõem, a corrupção acaba tornando-se uma gangrena onipresente.
Já santo Agostinho nos advertia na Cidade de Deus: “Se dos governos retirarmos a justiça, em que se tornam, senão em bandos de ladrões?” Despojados de sua missão primordial, que é a defesa dos bens morais, e dedicados obsessivamente à satisfação de interesses materiais, é natural que nas oligarquias políticas aflorem as ambições impacientes e a avidez de riquezas. O regime partidocrático, por outro lado, não é outra coisa que um método (temos de reconhecer que bastante eficaz, à vista dos resultados) para organizar tais ambições; pois a máxima preocupação de suas oligarquias não é outra que assegurar-se a fidelidade lacaia daquelas pessoas que recrutam, seja selecionando-as entre os medíocres, seja repartindo-lhes mordomias que garantem sua submissão. A conseqüência, em ambos os casos, é a corrupção moral e intelectual da política. E, enquanto vê crescer a corrupção da política, o povo se deixa esmagar primeiro pelo ceticismo moral e depois pela amoralidade descontrolada; processo que em nossa época se acelerou mediante a expansão dos direitos de braguilha e outras formas de permissividade dissoluta. Agora esse povo que previamente se deixou despojar de seus bens morais (subornado pelos direitos de braguilha que lhe prometiam todas as alegrias) se enraivece porque contempla o despojo de seus bens materiais; e sua raiva é a de uma animália que clama por vingança porque já não pode clamar por justiça, porque deixou de crer na justiça, porque previamente lhe ensinaram que a missão de um governo não era obter a justiça, mas satisfazer interesses materiais.
Em uma política órfã da virtude da justiça a corrupção não serve senão para que as diversas facções (ou bandos de ladrões, na linguagem agostiniana) acusem-se umas às outras, alimentando a demogresca; para debilitar os governos, que são substituídos por outros igualmente corruptos; e para arbitrar medidas espalhafatosas e puritanas de provada ineficácia, posto se fundamentarem no mais característico erro moderno, que é a negação do pecado original. O único modo de combater a corrupção consiste em restabelecer uma ordem justa que restitua à sociedade os bens morais e eternos que lhe foram arrebatados; mas isto não o farão nossas oligarquias, obcecadas em louvar os interesses materiais de seus eleitores. Com razão dizia Donoso que “o princípio eletivo é coisa tão corruptora que todas as sociedades civis, tanto antigas quanto modernas, em que ele prevaleceu morreram gangrenadas.”
É escusado acrescentar que a saída natural de uma sociedade gangrenada é a revolução.”
(Juan Manuel de Prada, Corrupción)
El martirio según el martirologio
Há 3 dias