terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Por que não sou mais libertário

"Costumo me apresentar como um libertário convalescente. Não é uma apresentação inteiramente séria, mas também não é inteiramente frívola.
Por que "convalescente"? A triste experiência nos ensina que qualquer ideologia, até mesmo uma ideologia sólida, como o libertarismo, é entorpecente. A atração da ideologia é a atração da elegância. Tal como Newton reduziu todos os movimentos, das órbitas à queda das maçãs, a três expressões, todo intelectual sonha com uma simples fórmula para explicar a condição humana. O libertarismo se baseia em um único princípio que limita o uso estatal da força à retaliação contra fraudes e transgressões.
Quase todas as regras morais naturais que todos os homens levam em seus corações satisfazem-se pela simples regra de que você pode fazer o que quiser, contanto que deixe seu vizinho livre para também fazer o que quiser. Nenhum vizinho pode roubar, defraudar ou atacar o outro.
O entorpecimento se produz sempre que algo se encaixa perfeitamente à teoria. A moral natural concorda que as guerras para defender inocentes são permitidas, como o é matar em legítima defesa. A moral natural concorda que um homem deve respeitar seus contratos, e assim por diante.
A teoria diz que o estado deve permanecer cuidadosamente neutro em todas as questões culturais e morais: o uso de drogas entorpecentes para uso recreativo, suicídio assistido ou não, poligamia, prostituição, jogos de azar, duelos até a morte (contanto que todos os participantes estejam totalmente de acordo!) ou até mesmo copular com um cadáver no telhado de sua casa à vista das crianças dos vizinhos que brincam em seus quintais, e depois devorar o cadáver, tudo deve ser legal.
Para mim, o feitiço do entorpecimento acabou após três percepções fulgurantes, cada qual tão violenta como um raio.
Educar crianças
A primeira foi quando nasceram meus filhos, e percebi que não podia manter a neutralidade libertária sobre como os educar. Tive de ensinar-lhes a diferenciar o bem do mal, a virtude do vício, e ensinar-lhes prudência, justiça, coragem e fortaleza. Acima de tudo tive que ensinar-lhes que a moral é uma verdade objetiva. Mas ensinar virtude não é como ensinar geometria. Tais coisas só podem ser ensinadas pelo exemplo. Deve fazer parte do ambiente mental. A cultura sempre ensina os valores fundamentais da cultura, com ou sem os pais, porque a virtude é um hábito.
Toda lição moral que eu queria imprimir no espírito de meus filhos era contradita por mil exemplos na mídia moderna. Tentaram de todas as formas ensinar a meus filhos o erro, fazer com que sua sujeira parecesse normal e legal. Estavam tentando drogá-los no vício, na ganância e acima de tudo na luxúria, mas também na apatia moral disfarçada de tolerância, e na inveja disfarçada de igualdade. Nos estados onde se legalizou a maconha, ela está sendo oferecida em balas e refrigerantes, de modo a atrair os jovens e fazer clientes para o resto da vida.
Percebi que a cultura ao meu redor era minha inimiga. Imagine ser um abolicionista antebellum do Sul, tentando educar seus filhos na crença de que todos os homens nasceram iguais, mas com a sociedade escravagista inteira, por milhares de silenciosos exemplos, ensinando o oposto. Mesmo com a melhor boa vontade do mundo, não é possível que um homem mortal proteja seus filhos de tudo que há na cultura. Deveria eu viver então numa caverna?
O libertarismo diz que meus vizinhos não me fazem mal expondo meus filhos à pornografia infantil, contanto apenas que força ou fraude não seja usada. Não há qualquer padrão público e objetivo de decência, honestidade, prudência e justiça presente na teoria libertária: mas uma comunidade libertária não sobreviveria se seus filhos não fossem educados desde a infância a serem decentes, honestos, prudentes e justos. É, em suma, uma teoria que se auto-elimina. É uma teoria para solteiros.
Converter-se ao Catolicismo
O segundo raio caiu quando me tornei católico. O libertarismo diz que o estado deve permanecer neutro em todas as questões de moral. Deve ser amoral. Mas na prática, uma sociedade amoral não permanece neutra. Um católico libertário deve estar disposto a deixar os homossexuais em paz para formarem uniões civis particulares à sua própria maneira, desde que sejamos deixados em paz para praticarmos nossa fé à nossa própria maneira – mas todos, desde fotógrafos de casamentos a confeiteiros de bolos de noivas, que não desejam participar da profanação de nossos sacramentos, serão perseguidos ou forçados à submissão.
Em outras palavras, o estado não pode permanecer neutro entre a Igreja e a Esquerda porque a Esquerda não vai permitir isso. Na prática, o libertarismo é o desarmamento unilateral na guerra cultural.
Ir à guerra
O último raio caiu quando as Torres Gêmeas caíram. O libertarismo simplesmente não pode decidir o que é prudente e justo a ser feito em uma guerra.
Por exemplo: Uma aldeia de fazendeiros está prestes a ser atacada por 40 bandidos. Os aldeões, ao comando do ancião que lidera a aldeia, contrataram sete samurais. O terreno diz que o único lugar defensável é o canal. Há três casas na outra margem do canal. A prudência militar diz que aquelas três casas devem ser queimadas, para não darem esconderijo e cobertura ao inimigo.
Os três proprietários, ouvindo isso, afastam-se das fileiras, jogam longe suas espadas, e declaram que vão defender suas casas sozinhos, separadamente, sem ajudarem ou serem ajudados pela aldeia. Kambei, chefe dos samurais, levanta sua espada contra os três e os persegue de volta às fileiras.
Os libertários devem chamar as ações de Kambei indefensáveis. Mas quando se usa o bom senso, sua ação é louvável, e não apenas justificada, mas exigida por sua missão de salvar os aldeões. Daí, a lógica libertária neste caso de tempo de guerra leva a uma conclusão falsa, ou melhor dizendo, a uma conclusão totalmente falsa: não só falsa, mas o exato oposto da verdade. Enquanto pai, católico, e patriota, percebi que a exultante teoria libertária do interesse próprio por sua natureza mesma se aplica apenas em dias ensolarados, entre adultos, em tempo de paz. É uma filosofia apenas de tempo de paz, e apenas entre homens que seguem certos ideais básicos originados da tradição cultural do Ocidente, ou seja, homens que seguem normas culturais cristãs mesmo que eles mesmos não sejam cristãos."
(John C. Wright, Why I'm No Longer a Libertarian)