quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Pe. Jean de Morgon: Não ao acordo canônico antes de um acordo doutrinal

“Se Monsenhor Freppel assinalava com razão que o abandono dos princípios conduz inevitavelmente à catástrofe, o cardeal Pie nos deixa uma esperança ao afirmar que um pequeno número de reclamantes é suficiente para salvar sua integridade e manter a oportunidade de um restabelecimento da ordem. Desde o mês de julho de 2012, o capítulo dos superiores da FSSPX parece haver repudiado um princípio que havia mantido firmemente até então, a saber, que não é possível contemplar um acordo prático com o Vaticano, antes que a questão doutrinal se resolva.
No 13 de outubro seguinte, Mosenhor de Galarreta teve por bem nos explicar que:
O que se fez foi voltar a tomar toda a questão doutrinal e litúrgica para fazê-la uma questão prática.
A ordem já não se respeita e não podemos senão temer a advertência de São Pio X:
Se a regra parece um obstáculo para a ação, diz-se que dissimular e transigir facilitam o êxito: então se esquecem as regras seguras, se obscurecem os princípios sob o pretexto de um bem que não é senão aparente. Que restará desta construção sem fundamentos, construída sobre a areia?
O objetivo de nosso estudo é então demonstrar, baseando-nos na Revelação, na Tradição e nas declarações concordantes dos quatro bispos consagrados por Monsenhor Lefebvre junto com este, que o princípio mencionado é absolutamente católico, e não pode sofrer nem o abandono, nem a exceção, sendo querido por Deus mesmo, e não forjado por algum pensador tradicionalista alérgico a qualquer acordo.
I – A Revelação
Tanto no Antigo como no Novo Testamento, é a vontade firmíssima e explícita de Deus que os homens aos quais se digna gratificar com sua doutrina pura e verdadeira se abstenham absolutamente de associar-se com os que professam uma diferente, com risco de prevaricar.
É a primeira recomendação que Ele quer fazer a Moisés, quando conclui a aliança com ele:
Guarda-te de fazer algum pacto com os habitantes da terra em que vais entrar, para que sua presença no meio de vós não se torne um laço. Derrubareis os seus altares, quebrareis suas estelas...” (Êxodo, 34, 12)
Nosso Senhor, por sua vez, freqüentemente advertirá seus discípulos contra o fermento da doutrina dos fariseus e dos saduceus (MT 16,6; Mc 8, 15), contra os profetas falsos vestidos de pele de ovelha (MT 7, 15) que induzirão muitas pessoas ao erro (MT 24, 11) e até os eleitos se isso fosse possível (Mt 24, 24).
Os Apóstolos estarão tão marcados por estas advertências do divino Mestre, que as transmitem com força a seus próprios discípulos:
-“Rogo-vos, irmãos, que desconfieis daqueles que causam divisões e escândalos, apartando-se da doutrina que recebestes. Evitai-os! Esses tais não servem a Cristo nosso Senhor”. (Rom, 16, 17-18)
-“Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gal. 1, 9)
-“Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda toma parte em suas obras más”. (2 João 10)
Poderíamos acrescentar outras passagens da Escritura, mas essas são bastante suficientes, estando ditadas pelo Espírito Santo, para convencer-nos que o dever de evitar os fautores da heresia é de direito divino.
II – A Tradição
Os primeiros Padres da Igreja não podiam esquecer estes anátemas doutrinais, e não podem senão repetir em todas as cores a exortação de São Paulo:
Fugi do herege!” (Tito 3, 10)
Fugi dos hereges, eles são os sucessores do diabo que conseguiu seduzir a primeira mulher.” (Santo Inácio de Antioquia)
Fugi de todos os hereges!” (Santo Irineu)
Fugi do veneno dos hereges!” (Santo Antão do deserto)
Não te sentes com hereges!” (Santo Efrém)
E São Vicente de Lérins nos diz:
O Apóstolo ordena esta intransigência a todas as gerações: sempre haverá que anatemizar aqueles que têm uma doutrina contrária à recebida”. É por isso, que no século XIX, Dom Guéranger escreverá a Monsenhor de Astros:
Um dos meios de conservar a fé, uma das primeiras marcas de unidade, é fugir dos hereges”.
Efetivamente, esta “primeira marca da unidade” concerne evidentemente à unidade de fé, a primeira nota característica da Igreja católica, que não pode ter senão “Um só Senhor e uma só fé” (Efésios 4, 5). Esta mesma Igreja adverte solenemente aos futuros subdiáconos assim:
Permanecei firmes na verdadeira fé católica, pois segundo o Apóstolo, tudo aquilo que não provém da fé é pecado (Rom. 14, 23), cisma, estranho à unidade da Igreja”.
Também para melhor compreender não somente a antiguidade, mas sobretudo o caráter absoluto de nosso princípio, deve-se conservar bem gravado em nosso espírito que durante mais de dois mil anos de cisma entre os bizantinos e Roma, jamais, sem exceção, se concluiu um só acordo canônico com as Uniatas antes que houvessem reconhecido a doutrina católica sobre os dogmas controversos (Filioque, Primado do Papa etc).
Isto é o que recordou o Cardeal Ottaviani, Prefeito do Santo Ofício, na véspera do Concílio:
Uma vez reconhecida a verdade, esta verdade sobre a qual a Igreja não pode transigir, todos os filhos que regressem a ela encontrarão esta Mãe disposta a todas as generosidades que Ela pode acordar em matéria de liturgia, de tradições, de disciplina e de humanidade” (Itinéraires nº 70, pág. 6).
III – As declarações de nossos bispos
MONSENHOR LEFEBVRE: “Supondo que Roma nos chamasse, que nos quisesse receber, voltar a falar, então seria eu quem poria as condições. Já não me aceitaria encontrar na situação em que nos deixaram os colóquios. Isso já terminou. Eu colocaria a questão no plano doutrinal. “Estão de acordo com as grandes encíclicas de todos os Papas que lhes precederam? (...) Se não aceitam a doutrina de seus predecessores, então é inútil falar. Enquanto não aceitem uma reforma do Concílio tendo em conta a doutrina desses Papas que lhes precederam, não há diálogo possível. É inútil. As posturas seriam mais claras”. (Fideliter nº 66, nov-dez de 1988)
MONSENHOR WILLIAMSON: “O maior desafio para a Fraternidade nos próximos anos será compreender a primazia da doutrina, de tomar a medida de todas as coisas e de orar em conseqüência. Em nosso mundo sentimental, a tentação constante é a de seguir os sentimentos. Não seguir os sentimentos é o que caracterizou Monsenhor Lefebvre, e sim, neste respeito, nós não o imitamos, a Fraternidade seguirá o caminho da carne, quer dizer, nos braços dos destruidores (objetivos) da Igreja. (...) Doutrina, doutrina, doutrina!” (Angelus Press, 21 de junho de 2008)
MONSENHOR FELLAY: “A clara percepção da questão chave que acabamos de descrever nos proíbe de pôr em um mesmo plano as duas questões. É tão claro para nós que a questão da fé e do espírito de fé é tão primordial, que não podemos contemplar uma solução prática enquanto a primeira questão não encontrar uma segura solução” (...)
“Cada dia nos traz provas suplementares da necessidade de clarificar ao máximo as questões subjacentes (de doutrina) antes de ir mais além em uma solução canônica, que no entanto não nos é desagradável. Mas há uma ordem na natureza, e inverter as coisas nos colocaria inevitavelmente em uma situação insuportável; temos a prova disso todos os dias. O que está em jogo é nada mais nada menos que nossa existência futura
” (LAB nº 73 do 23 de outubro de 2008).
MONSENHOR DE GAGARRETA: “Há evidentemente uma vontade de nos comover, de nos atemorizar exercendo pressão no sentido de um acordo meramente prático, que foi sempre a proposta de Sua Eminência (o cardeal Hoyos). Evidentemente, vocês já conhecem nossa forma de pensar. Este caminho é um caminho morto; para nós, é o caminho da morte. Portanto para nós não é questão de segui-lo. Não podemos nos comprometer a trair a confissão pública da fé. Isto não está em questão. É impossível” (Sermão do 27 de junho de 2008 em Ecône).
Não chegou o momento de mudar a decisão do Capítulo de 2006: Não ao acordo prático sem solução da questão doutrinal” (Informe lido no Capítulo de Albano, 7 de outubro de 2011, difundido por Tradinews).
MONSENHOR TISSIER DE MALLERAIS: “Recusamo-nos a um acordo meramente prático porque a questão doutrinal é primordial. A fé vem antes da legalidade. Não podemos aceitar uma legalização sem que o problema da fé seja resolvido. (...) Trata-se de uma nova religião que não é a religião católica. Com esta religião, nós não queremos nenhum compromisso, nenhum risco de corrupção, inclusive nenhuma aparência de conciliação, e é esta aparência que daria nossa suposta ‘regularização’” (Entrevista a Rivarol do 1º de junho de 2012).
Conclusão
O princípio: “Não ao acordo canônico antes de um acordo doutrinal” é um princípio:
- fundado na Palavra de Deus que nos proíbe formalmente nos associarmos com os que professam uma doutrina diferente da transmitida pela Igreja, “coluna e fundamento da verdade” (1 Tim. 3, 15), em particular por mais de dois mil anos em suas discussões com os cismáticos orientais;
-absoluto, sem sofrer rodeios, redução ou exceção, porque concerne à “ordem da natureza” como justamente escreveu Monsenhor Fellay em outro tempo, e não a um processo convencional.
Em conseqüência. Se é verdade que ninguém se recupera do abandono dos princípios, sobretudo os mais graves porque relacionados à fé, devemos hoje em dia mais do que nunca não somente manter este princípio, mas cuidar para que não seja esquecido, alterado ou evitado, e proclamá-lo, faça chuva ou faça sol, a todas as almas de boa vontade.
Que os Santíssimos Corações de Jesus e de Maria venham em nosso auxílio no verdadeiro combate da fé, e nos guardem sempre em Seu amor!”

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