segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"Plaudite, amici, comoedia finita est"

“Beethoven era um homem inteiramente religioso, embora não no sentido confessional. Criado na fé católica, ele logo adquiriu uma opinião independente sobre assuntos religiosos. Deve-se ter em conta que sua juventude se passou na época do iluminismo e do racionalismo. Quando tempos depois ele compôs a grande missa em homenagem a seu estimado aluno arquiduque Rodolfo – na esperança de obter dele o cargo de mestre de capela quando o arquiduque se tornou arcebispo de Olmütz, mas em vão – ele deu à obra formas e dimensões que se afastaram do rito.
Em todas as coisas, liberdade era o princípio fundamental na vida de Beethoven. Seu livro favorito era “Observações sobre as Obras de Deus na Natureza” (Betrachtungen über die Werke Gottes in der Natur) de Sturm, que ele recomendava aos padres para farta distribuição entre o povo. Ele via a mão de Deus até nos fenômenos naturais mais insignificantes. Deus era para ele o Ser Supremo que ele louvou na parte coral da Nona Sinfonia nas palavras de Schiller: “Irmãos, além daquele dossel de estrelas deve viver um Pai amoroso!” O relacionamento de Beethoven com Deus era o de um menino com seu pai amoroso a quem ele confia todas suas alegrias e tristezas. Conta-se que certa vez ele quase foi excomungado por ter dito que Jesus foi apenas um pobre ser humano e um judeu. Haydn, ingenuamente pio, teria chamado Beethoven de ateu.
Ele concordou com a vinda de um padre a seu leito de morte. Testemunhas afirmam que a função rotineira foi desempenhada de maneira admirável e inspiradora e que Beethoven expressou cordialmente seus agradecimentos ao padre oficiante. Depois que este deixou o quarto, Beethoven disse a seus amigos: “Plaudite, amici, comoedia finita est”, a frase com que se concluíam os dramas antigos. Esse fato originou a afirmação de que Beethoven quis caracterizar o sacramento da extrema unção como uma comédia. Isso entra em contradição, contudo, com sua conduta durante a administração. É mais provável que ele quisesse designar sua vida como um drama; nesse sentido, de qualquer modo, é que as palavras foram aceitas por seus amigos. Schindler diz enfaticamente: “Os últimos dias foram inesquecíveis sob todos os pontos de vista, e ele esperava a morte com sabedoria verdadeiramente socrática e paz de espírito”.
(Friedrich Kerst & Henry Edward Krehbiel, Beethoven: the Man and the Artist, as Revealed in His Own Words)