“Já vimos que algumas histórias corânicas de Jesus tomam material emprestado dos evangelhos gnósticos e de outras heresias cristãs que aparentemente estavam em circulação na Arábia do século sétimo: o Jesus corânico fala quando ainda é um bebê no berço (19, 29-33) e sopra vida em pássaros de barro (5, 110). A mais importante apropriação corânica do gnosticismo cristão, contudo, é a negação da realidade da crucificação de Cristo: “eles não o mataram, nem o crucificaram, mas isso lhes foi simulado” (4, 157).
Para os gnósticos, essa negação baseava-se na repugnância ao mundo material e à carne, que os levou a negar totalmente a realidade da encarnação; os muçulmanos, por sua vez, negam a crucificação porque, para eles, um profeta de Deus não pode sofrer derrota.
No Corão, os judeus se vangloriam de haver matado Jesus – mas eles apenas pensam que o fizeram (4, 157). Na verdade, Jesus escapou da crucificação, embora a forma como o fez seja a fonte de algumas disputas. Ibn Kathir afirma que “quando Alá enviou Isa (Jesus) com provas e ensinamentos, os judeus, que as maldições, raiva, tormento e castigo de Alá caiam sobre eles, tiveram dele inveja em razão de suas profecias e milagres óbvios...” Consumidos dessa inveja, continua Ibn Kathir, os judeus incitaram “o rei de Damasco à época, um grego politeísta que adorava as estrelas” a ordenar a seu representante em Jerusalém que prendesse Jesus. Jesus, ao percebê-lo, pediu aos que estavam com ele, “Quem se dispõe a ficar parecido comigo, para ser minha companhia no Paraíso?” Um jovem se dispôs, e “Alá fez com que o jovem se parecesse exatamente com Isa, uma abertura apareceu no teto da casa e Isa adormeceu e ascendeu ao céu enquanto dormia.” Então “os que cercavam a casa viram o homem que se parecia com Isa, pensando que ele era Isa. Eles o levaram e o crucificaram e colocaram uma coroa de espinhos em sua cabeça. Então os judeus se vangloriaram de ter matado Isa e alguns cristãos aceitaram essa falsa pretensão, devido a sua ignorância e falta de razão.”
Outras fontes oferecem teorias diferentes. Algumas autoridades islâmicas acham que Jesus estava com setenta de seus discípulos quando os guardas vieram prendê-lo, e todos os setenta ficaram exatamente parecidos com Jesus; um deles deu um passo à frente e foi crucificado. O Ruhul Ma’ani, contudo, identifica o que ficou parecido com Jesus e foi crucificado com o que o traiu por trinta moedas – Judas. Uma outra fonte muçulmana diz que foi uma sentinela que estava vigiando Jesus depois de sua apreensão.
O Corão afirma, nesse contexto, que “nenhum dos adeptos do Livro deixará de acreditar nele antes da sua morte” (4, 159). Entende-se por essa um tanto estranha afirmação que Jesus retornará à terra – e quando o fizer, segundo Maomé em uma tradição islâmica, ele vai “quebrar a Cruz e matar o porco e abolir a Jizya” – o imposto tomado dos não-muçulmanos subjugados à lei islâmica. Isso quer dizer que ele vai abolir o status subserviente de dhimmi dos não-muçulmanos e islamizar o mundo: “Nesta época, Alá vai destruir todas as religiões exceto o Islã e Alá vai destruir Al-Masih Ad-Dajjal (o Falso Messias).””
(Robert Spencer, The Complete Infidel’s Guide to the Koran)
Padre ¿por qué me has abandonado? (II)
Há um dia