Mostrando postagens com marcador Pablo Picasso. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Pablo Picasso. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O comunista Pablo Picasso (II)


“Embora aparentemente criada por intelectuais independentes para combater os armamentos nucleares, a iniciativa internacional era, de fato, um esforço orquestrado pelo comissário soviético Zhdanov para criar o que Utley descreve como “um órgão politicamente ativo em apoio à política externa soviética, a mais poderosa arma não-militar criada pela União Soviética para enfrentar a OTAN.” Envolvido desde o início, Picasso concordou em assistir à conferência inaugural do movimento em 1948 em Wroclaw, na Polônia, apesar de seu ódio às viagens e seu medo de voar (foi sua primeira viagem de avião). Em 1949 participou de um congresso semelhante em Roma e, depois que sua delegação foi proibida de entrar nos Estados Unidos em 1950, viajou para outro congresso em Sheffield, na Inglaterra, onde discursou. Em novembro daquele ano Picasso recebeu do governo soviético o Prêmio Stalin da Paz em reconhecimento por seu trabalho.
Picasso produziu numerosos desenhos e cartazes para as causas do partido, inclusive retratos, como os de Thorez e Ehrenburg, um desenho polêmico de Stalin, por ocasião da morte do líder soviético em 1953, e os esboços idealizados de Julius e Ethel Rosenberg, um ano após a execução do casal nos Estados Unidos, por haverem divulgado segredos nucleares à União Soviética. A pomba icônica, retrabalhada inúmeras vezes pelo artista, tornou-se ubíqua no movimento pacifista e apareceu até mesmo em selos postais da União Soviética e da República Popular da China. Tão popular era a imagem da pomba nos anos 50 que tornou-se o alvo de caricaturas em campanhas de propaganda anticomunista do movimento Paix et Liberté, apoiado pela CIA.
Nos Estados Unidos, onde a reputação de Picasso atingira novos píncaros pouco antes da guerra, as atividades políticas do artista eram levadas a sério pelo governo. Já em 1945, pouco antes do departamento abrir seu arquivo sobre o artista, o diretor do FBI, J. Edgar Hoover, entrou pessoalmente em contato com a embaixada americana em Paris pedindo mais informações sobre Picasso e ordenou-se ao Departamento Americano de Censura de Rádio e Telegrafia que informasse ao FBI sobre quaisquer telegramas de e para o artista. Entre as pilhas de informações e boatos coletados no arquivo do FBI há um documento de 1950 que vai ao ponto de acusar o artista de espionar para a União Soviética. Essa alegação jamais foi comprovada.
A imprensa americana, diz Utley, respondeu à política de Picasso com um misto de perplexidade e consternação. Inicialmente, suas opiniões foram descartadas como as de um ingênuo político. Mas quando o alinhamento da Guerra Fria endureceu no final dos anos 40 e início dos anos 50, o artista foi cada vez mais criticado por seu trabalho partidário. Em 1949 um artigo na ARTnews atacou Picasso como um “dedicado desenhista de cartazes e propagandista de meio expediente.” Um ano depois, o New York Times ridicularizou suas “pombinhas obesas”. Em 1954 o Sunday Mirror de New York afirmou que “antes de ser picado pelo besouro vermelho, Picasso foi o maior artista de nossa época.” Segundo Utley, o comunismo de Picasso pode ter influído no declínio geral de sua reputação na América nos anos 50 e afastado alguns de seus compradores americanos.
Contudo, mesmo durante os anos de seu maior envolvimento político, Picasso jamais seguiu em sua arte o Realismo Socialista aprovado pelo partido. Embora admirados por alguns dos intelectuais do partido, seus quadros, com suas figuras deformadas, eram geralmente considerados inadequados para consumo da massa comunista e não eram reproduzidos nos jornais comunistas. Na conferência de Wroclaw, Picasso foi até atacado, em razão de seu estilo decadente, por Alexander Fadeyev, presidente do Sindicato dos Escritores Soviéticos. Mas Picasso negou-se a fazer concessões estéticas à ortodoxia comunista. “Na Rússia, odiavam seu trabalho, mas amavam sua política,” lembra Gilot. “Na América, odiavam sua política, mas amavam seu trabalho. Quando ele voltou da conferência de Wroclaw, disse, ‘Sou odiado em todo lugar, mas é assim que eu gosto!’”
Apesar disso, diz Utley, Picasso levou as críticas do partido a sério e grande parte de seu trabalho durante esse período acatou – à sua própria maneira – as idéias sociais e os temas da causa comunista. A autora sugere que a preocupação do artista nos anos 40 e 50 com o simples artesanato em cerâmica e as possibilidades de produção em massa da litografia vinha de seu desejo consciente de eliminar a distância entre a arte superior e as massas. Seus cartazes para o partido eram feitos para ser copiados a baixo custo e ele até imaginou maneiras de reproduzir suas pinturas para aumentar sua acessibilidade. Embora muitos desses esforços tenham sido por fim infrutíferos – os colecionadores eram sempre os primeiros a arrebatar quaisquer obras de Picasso, inclusive os cartazes – eles deram à imprensa engajada uma oportunidade de lançar o famoso artista como um homem do povo. “O trabalho e a vida de Picasso entre os oleiros,” escreve Utley, “foi também uma mina de ouro para os escritores comunistas. Permitiu-os combater a imagem adversa do milionário comunista Picasso com a da simplicidade de sua vida em Vallauris.”
Mas talvez os maiores testemunhos à lealdade política de Picasso, defende Utley, foram sua relutância em criticar o partido francês e seu apoio constante mesmo depois que a política soviética tornou-se desagradável para muitos dos antigos intelectuais comunistas. Por exemplo, apesar de suas próprias reservas quanto à cada vez mais rígida ortodoxia partidária do Realismo Socialista, Picasso recusou-se a assinar uma carta de 1948 escrita por um grupo de importantes literatos comunistas pedindo ao partido que afrouxasse sua posição cultural. A abordagem dogmática do partido em relação à cultura tornou-se mais severa em 1950, quando Thorez deixou a liderança e as facções mais radicais tomaram o poder. Ao invés de reduzir suas atividades partidárias, Picasso, no começo de 1951, veio a produzir o que Utley chama de sua “primeira pintura abertamente didática em apoio à posição política soviética.” De fato, Massacre na Coréia, retratando soldados atirando em um grupo de mulheres nuas, é considerada de valor artístico marginal devido à sua exagerada mensagem ideológica. (Richardson a chama de “uma das piores pinturas de Picasso.”) O artista foi bastante atacado no partido por seu retrato de um Stalin jovem e nada heróico em Les Lettres Françaises depois da morte do líder, mas não rompeu relações com os comunistas. Mesmo após a invasão soviética da Hungria em 1956, Picasso recusou juntar-se a vários intelectuais comunistas franceses na denúncia da agressão, fato que lhe rendeu uma dura crítica, em carta aberta, do grande escritor polonês Czeslaw Milosz. Mas o artista, seguindo o exemplo dos membros mais radicais do partido, como sua amiga íntima, a escritora comunista Hélène Parmelin, não se abalou.”
(Hugh Eakin, Picasso’s Party Line)

domingo, 7 de novembro de 2010

O comunista Pablo Picasso (I)


“A solicitação de visto americano por Pablo Picasso em 1950 colocou os funcionários do Departamento de Estado e do FBI em alerta total. O propósito da visita do artista – sua primeira aos Estados Unidos – era liderar 12 delegados do Congrès Mondial des Partisans de la Paix (Congresso Mundial dos Partidários da Paz) até Washington em uma tentativa de convencer o Presidente Truman a eliminar a bomba atômica. O congresso da paz, fundado um ano antes em Paris e Praga, já havia sido identificado como uma poderosa frente comunista. Além disso, o próprio Picasso era considerado um dos principais membros do Partido Comunista Francês e estava sendo observado pelo FBI desde 1944. Após consultar as embaixadas americanas em Moscou e Paris, assim como membros do Congresso e o FBI, o Comitê de Relações Exteriores do Senado negou visto a toda a delegação.
Picasso, um soldado do Império do Mal durante a Guerra Fria? Embora a ligação do artista com o Partido Comunista no final dos anos 40 e início dos anos 50 seja bem conhecida, ela tem sido amplamente ignorada pelos estudiosos como um flerte ocasional, com uma leve, se é que houve alguma, influência em sua arte. As obras de Picasso não aderiam aos ditames da estética do Realismo Socialista e em geral não eram sequer consideradas adequadas para exibição na União Soviética. Além disso, seu mercado e seus admiradores mais importantes estavam no Ocidente burguês. Como é que ele pôde se tornar uma arma no arsenal anti-americano montado pelo cruel czar da cultura de Stalin, Andrei Zhdanov?
O pouco conhecido incidente do visto é apenas um dos notáveis exemplos do ativismo político de Picasso reunidos no livro de Gertje Utley, Pablo Picasso: The Communist Years, publicado este mês pela Editora da Universidade de Yale. Picasso juntou-se aos comunistas franceses em 1944, aos 63 anos, e permaneceu um membro inabalável do partido por toda sua vida – mesmo após a revelação dos crimes do estalinismo, a brutal repressão soviética do levante húngaro em 1956 e a subseqüente deserção de vários intelectuais franceses com quem ele havia exercido a militância.
No auge de seu envolvimento, suas atividades incluíam relatos de missão aos principais apparatchiks partidários, viagens pela Europa a fim de promover o movimento internacional pela paz e doações de grandes somas de dinheiro – freqüentemente na forma de obras de arte – a dúzias de causas apoiadas pelos comunistas. (Picasso apoiava numerosas iniciativas do partido, ou a este associadas, por meio de seu agente Daniel-Henry Kahnweiler, incluindo, por exemplo, doações de 2,5 e 3 milhões de francos em 1955 e 1956, respectivamente, para um evento anual do partido.) Sua arte expandiu-se para incluir cartazes partidários, desenhos sob encomenda para o jornal do partido, L’Humanité, e quadros explicitamente políticos como Massacre na Coréia (1951), uma obra atípica de propaganda denunciando o envolvimento americano na Guerra da Coréia. Ele deu até mesmo o nome de Paloma a sua filha, que é pomba em espanhol, depois que a cruzada comunista pela paz adotou seu desenho do pássaro como símbolo internacional.
(...) Picasso associou-se ao Partido Comunista no momento exato que este começava seu período de maior influência na vida cultural francesa. O líder comunista Maurice Thorez havia retornado do exílio na União Soviética e de 1945 a 1947 comunistas participaram do governo francês. Os excessos do estalinismo foram obscurecidos pelos sofrimentos do povo soviético no período de guerra e sua heróica vitória sobre os nazistas, ao passo que a Lei de Reajustamento de Veteranos e depois o Plano Marshall resultaram no que para algumas pessoas na França parecia ser uma nova espécie de “ocupação” pelos imperialistas americanos. Entre os simpatizantes e companheiros de viagem que foram atraídos para a linha antifascista e anti-americana do partido estavam celebridades culturais e escritores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e os artistas Fernand Léger, Henri Matisse e Tristan Tzara. John Richardson, um biógrafo de Picasso que conhecia bem o artista e estava em Paris logo depois da guerra, diz: “Os intelectuais passaram-se para o comunismo porque era a coisa respeitável a fazer. Era, por assim dizer, politicamente correto.”
Para Picasso, observa Utley, havia também fortes motivos pessoais. O artista considerava sua admissão no partido como a conclusão lógica de tudo por que havia lutado na vida. Nascido em Málaga em 1881, Picasso já havia tido contato com movimentos anarquistas e pacifistas quando adolescente em Barcelona, bem antes de estabelecer-se em Paris em 1904. Embora a extensão desses encontros ainda seja discutida pelos estudiosos, no começo da I Guerra Mundial Picasso havia desenvolvido uma antipatia perpétua aos conflitos armados que iria se concretizar em seus enérgicos esforços pelo movimento pacifista apoiado pelos comunistas. A Guerra Civil Espanhola fez com que odiasse Franco e se tornasse antifascista, uma posição que já em 1936 rendeu-lhe o título de pintor marxista na imprensa espanhola. Ainda que Picasso jamais houvesse lido Marx e tivesse pouco conhecimento do que estava acontecendo na União Soviética, Utley diz que sua adesão ao partido mostrava um compromisso profundamente arraigado com os ideais comunistas. “Ele acreditava verdadeiramente nos princípios básicos”, afirma, “mas também achava que podia ser comunista sem seguir o comunismo inteiro.”
A adesão de Picasso ao partido em 1944 foi um evento que marcou época e foi devidamente aproveitado pelos comunistas. Aprovado pela liderança, Picasso seria logo instruído nos assuntos partidários pelo próprio Thorez e guiado na militância cultural por seus amigos Louis Aragon e Paul Éluard. Embora não se esperasse dele que diariamente cumprisse funções partidárias ou assistisse a encontros celulares de rotina, Picasso recebeu um lugar proeminente em iniciativas comunistas tais como o Nationale Front des Arts e o Comitê França-URSS. A partir de 1947, quando mudou-se com sua companheira Françoise Gilot para a cidade de Vallauris, governada pelos comunistas, tornou-se anfitrião, entre outros, do escritor soviético Ilya Ehrenburg e de Georges Tabaraud, editor do Patriote de Nice, jornal do partido que o próprio Picasso apoiava financeiramente. Estava também alistado em esforços internacionais, como a assinatura de uma carta ao Presidente Truman protestando contra o pacto da OTAN, o apoio ao Partido Comunista Americano e, de acordo com um relato, a denúncia da prisão dos Dez de Hollywood pelo governo americano em 1950.
Mais importante, no entanto, é a afirmação de Utley de que Picasso rapidamente se tornou uma das figuras mais destacadas no movimento pela paz liderado pelos comunistas. Tal atividade é significativa à luz do papel exercido pelo movimento nos anos iniciais da Guerra Fria.”
(Hugh Eakin, Picasso’s Party Line)