domingo, 6 de novembro de 2022

O Massacre do Norte

“No início dos anos setenta, no primeiro século de um novo milênio, uma terrível calamidade se abateu sobre os ingleses nas mãos do novo grupo dominante vindo do exterior.
Não se preocupem, não vim do futuro para dizer que perdemos e que agora já podemos desistir. Estou me referindo a um evento histórico de quase mil anos atrás que não é tão conhecido como deveria ser - o Massacre do Norte.
A invasão normanda de 1066 passou para a memória popular quase como o momento fundador da história inglesa, mas pouca atenção é dada ao que aconteceu imediatamente após a Batalha de Hastings.
Os anglo-saxões não aceitaram simplesmente o domínio estrangeiro de forma silenciosa. O exército de Guilherme, o Conquistador, passou os próximos dois meses após a batalha marchando pelo sudeste da Inglaterra e ganhando o controle dos vários pontos estratégicos de que precisava, antes de Guilherme ser coroado rei no dia de Natal de 1066.
As rebeliões surgiram esporadicamente pelo restante da década, e nenhum lugar foi mais rebelde do que o norte da Inglaterra, onde Guilherme essencialmente não tinha autoridade a norte de York. Guilherme nomeou dois ingleses sucessivamente para o cargo de conde de Nortúmbria para tentar apaziguar a região, mas ambos foram assassinados. O terceiro conde então mudou de lado e juntou-se à rebelião, que girava em torno de Edgar Ætheling, então apenas um adolescente, mas sobrinho-neto de Eduardo, o Confessor.
Guilherme então nomeou um normando como conde de Nortúmbria, um de seus próprios homens, Robert de Cumin, junto com um séquito de cerca de 500 homens. Eles também foram mortos pelo exército rebelde em Durham, que depois marchou em direção ao sul até York e matou o comandante da guarnição do castelo recém-construído. A resposta de William foi rápida e implacável.
Rebeliões em pequena escala eclodiram em vastas regiões da Inglaterra durante todo o ano de 1069. Elas foram reprimidas sem muitos problemas, até que uma frota de invasão dinamarquesa emergiu no estuário do Humber, para apoiar a reivindicação de Edgar ao trono. A força aliada anglo-dinamarquesa logo retomou York.
Por mais brutal que o domínio dinamarquês pudesse ser, muitos no norte da Inglaterra o preferiam ao governo dos normandos. Afinal, eles tinham acabado de conviver 300 anos com os dinamarqueses, que eram pelo menos inimigos conhecidos. Esta foi a maior derrota normanda de toda a conquista e tornou-se a mais séria ameaça ao reinado de Guilherme na Inglaterra.
Pela terceira vez em dois anos, o exército de Guilherme marchou para York, apenas para descobrir que o exército rebelde havia fugido e os dinamarqueses recuado para seus navios. Os dinamarqueses foram facilmente pagos para partir, mas como os rebeldes não iriam enfrentar os homens de Guilherme, este dividiu seus homens em grupos de ataque e ordenou que reprimissem qualquer rebelião futura, certificando-se de que os rebeldes não tivessem os meios necessários para a sobrevivência.
Ao longo de 160 quilômetros do norte da Inglaterra, do rio Aire no sul ao rio Tyne no norte, os homens de Guilherme destruíram plantações e assentamentos indiscriminadamente durante o inverno de 1069/70, não importando de que lado a população local estava. Os estoques de alimentos e o gado não foram poupados e, dada a época do ano, o resultado foi a fome em massa.
Infelizmente, há muito poucos relatos de testemunhas oculares, mas o cronista John de Worcester, escrevendo algumas décadas após o evento, afirmou que a comida ficou tão escassa depois dessa devastação, que as pessoas se viram na necessidade de comer não apenas cavalos, cães e gatos, mas até carne humana para sobreviver.
Alguns fugiram em direção ao norte até a Escócia, outros fugiram para o sul, até Worcestershire. O abade de Evesham, a mais de 150 milhas de York, montou um acampamento para acomodar os refugiados que chegavam. Ele escreveu sobre pessoas que morriam a uma taxa de cinco ou seis por dia, seja por exaustão ou por comerem tão vorazmente a comida que lhes era fornecida, que seus corpos famintos não suportavam.
O monge Simeon de Durham escreveu:
“Era horrível ver cadáveres humanos em decomposição nas casas, nas ruas e nas estradas, fervilhando de vermes.
Pois não havia restado ninguém para enterrá-los, tendo todos morrido pela espada ou pela fome... Não havia nenhuma aldeia habitada entre York e Durham - elas se tornaram lugares para a espreita de feras e ladrões.”
Nem é preciso dizer que esta era uma época muito diferente, com idéias muito diferentes sobre a santidade da vida humana. Mas a extensão da destruição e do sofrimento infligidos aos não combatentes foi extraordinária, mesmo para os padrões da época, e até mesmo os contemporâneos de William ficaram chocados com o nível de crueldade.
Diz-se que um soldado do exército de William, Gilbert d'Auffay, voltou para a Normandia, recusando a oferta de propriedades na Inglaterra. Outro, chamado Reinfrid, ficou tão afetado pelo que viu durante o massacre que se tornou monge em Evesham e mais tarde voltou a Yorkshire para refundar a abadia abandonada de Whitby.
Guilherme de Jumièges, que escreveu seu livro Gesta Normannorum Ducum (Feitos dos Duques Normandos) a pedido do próprio Guilherme, o Conquistador, descreveu como o rei “massacrou quase toda a população, desde os muito jovens aos velhos e grisalhos”. A Crônica Anglo-Saxônica relata que Guilherme foi para Yorkshire em 1069 e “a arruinou completamente”.
O monge do século XII, Orderic Vitalis, escreveu em um livro sobre a vida de Guilherme, o Conquistador:
“Quando penso em crianças indefesas, jovens na flor da idade e respeitáveis barbas grisalhas, todos morrendo de fome, fico tão comovido que prefiro lamentar a dor e o sofrimento das pessoas miseráveis ​​a fazer uma tentativa vã de lisonjear o perpetrador de tal infâmia. Não posso dizer nada de bom sobre esta matança brutal. Deus irá puni-lo.”
Vitalis afirma que até 100.000 pessoas morreram no Massacre do Norte, seja pelos assassinatos iniciais ou subseqüentemente pela fome. Foi relatado que alguns se venderam como escravos para evitarem morrer de fome.
Muitos outros historiadores duvidam deste número convenientemente redondo, mas o número de mortos ainda é provável que esteja na casa das dezenas de milhares, que é um número significativo, considerando a população da Inglaterra na época, de cerca de dois milhões.
Alguns historiadores modernos se referem ao evento como um genocídio, um termo que não foi cunhado até 1944. Pessoalmente, considero-o uma hipérbole. Não foi uma tentativa intencional de eliminar os ingleses como povo, mas uma tentativa de torná-los impotentes e mostrar-lhes quem estava no comando. Foi também uma estratégia muito bem-sucedida, uma vez que não haveria mais rebeliões em grande escala depois que Guilherme instalou normandos em todas as posições de poder.
As áreas mais afetadas demoraram muito para se recuperar. Simeon de Durham escreveu que o campo permaneceu abandonado e sem cultivo por mais nove anos. Mesmo na época em que o Domesday Book foi compilado, dezesseis anos após os eventos de 1070, um terço das terras disponíveis em Yorkshire ainda estavam registradas como vasta ('abandonada'). A população era apenas um quarto do que fora antes, o que corresponde a um declínio de 150.000 pessoas.
A melhor maneira de compreender eventos em uma escala tão grande como o Massacre do Norte é reduzi-los a um nível individual. A mãe dizendo aos filhos que eles não verão mais o pai e que eles não têm onde dormir, nem comida para comer naquela noite. As famílias marchando para o sul em meio à chuva e à neve e tendo que deixar seus membros menos robustos na beira da estrada, um por um. Eles eram seres humanos com sentimentos, assim como nós.
É claro que nem é preciso dizer que os camponeses medievais estavam familiarizados com o conceito de morte prematura, bem como acostumados a muitas outras adversidades que nem sequer poderíamos imaginar. É claro que também percebo que o Massacre do Norte não foi nada único, e algo igual ou pior já aconteceu a muitos, se não à maioria dos outros povos em algum momento da história.
Mas o que mais me impressiona em todo esse episódio é o quão relativamente desconhecido ele é hoje, considerando que realmente foi uma das piores coisas que já aconteceram ao povo inglês. Freqüentei uma escola em North Yorkshire e só me lembro vagamente de ter lido de passagem sobre um acontecimento que era conhecido pelo termo incomum de "Massacre", mas, fora isso, não fiquei impressionado e, até recentemente, tinha ouvido falar muito pouco sobre tais fatos.
Não ajuda em nada que a parte do país onde isso aconteceu tenha permanecido um fim de mundo durante muito tempo até a Revolução Industrial. Se tivesse sido o Massacre do Sul e tivesse acontecido mais perto do centro da vida cultural do país, provavelmente teria um papel muito mais proeminente nos mitos nacionais de hoje.
Nos últimos anos, esforços têm sido feitos para derrubar a visão tradicional da história escrita pelos vencedores. Eventos de muito tempo atrás foram ressuscitados e receberam um novo sopro de vida, sempre que pudessem ser usados ​​para promover uma narrativa conveniente de vítimização.
Para dar um exemplo diferente dos óbvios sobre escravidão e colonialismo, há um nível cada vez maior de consciência pública sobre o massacre de Peterloo em 1819, quando 18 pessoas que protestavam pela reforma parlamentar foram mortas por cavalaria armada. O 200º aniversário do evento no ano passado foi marcado por uma série de eventos públicos, e o massacre foi tema de um filme de Mike Leigh.
No entanto, aquela época, em que a população de Yorkshire diminuiu em 75% e as pessoas se viram na necessidade de comer seus próprios familiares porque não queriam ser cidadãos de segunda classe em seu próprio país, ainda não penetrou profundamente na consciência nacional.
Não há memoriais para os mortos em lugar nenhum que eu saiba, nem mesmo em York, que tem um memorial na Torre de Clifford para um massacre antijudaico que aconteceu no século XII. O 950º aniversário da matança de 100.000 ingleses transcorreu no inverno passado sem eventos comemorativos de qualquer espécie.
O Massacre do Norte é retratado na Tapeçaria de Bayeux, mas nenhuma das peças teatrais históricas de Shakespeare faz qualquer menção ao evento. Nenhum poeta, pintor, autor ou cineasta conhecido, antigo ou moderno, produziu algo que o imortalizasse na memória popular.
Mesmo morando no norte da Inglaterra, quando quis fazer uma pesquisa sobre o assunto não consegui encontrar sequer um único livro nas bibliotecas de meu condado inteiro, para não falar da biblioteca da minha cidade, que sediou uma exposição especial para o Dia da Memória do Holocausto, em nome de nossa população judaica de 0,38%.
Normalmente não pensamos na Conquista Normanda como tendo qualquer legado significativo em nossos dias, mas apesar de agora pessoas com sobrenomes normandos como Beaumont ou DeVere serem indistinguíveis de nós, elas ainda tendem a ser mais ricas do que aquelas com um sobrenome inglês normal, e ainda mais em comparação com aquelas com nomes que soam tipicamente do norte, como Bradshaw ou Thompson.
Este ano assistimos a um ataque repentino ao legado e à memória daqueles que enriqueceram com o tráfico de escravos, como parte de uma fúria voltada para a correção de erros históricos, independentemente de como era a vida séculos atrás e de a escravidão ser considerada aceitável na época.
Nenhum raciocínio por trás disso, no entanto, é também aplicado para destruir a percepção pública daqueles que receberam grandes propriedades que foram violentamente tomadas dos anglo-saxões, sem importar quanto sangue havia em suas mãos e por quanto sofrimento foram responsáveis. A costumeira dinâmica oprimido-opressor e a idéia de haver uma virtude na condição de vítima não parecem contar neste caso.
Estou tão acostumado a pensar que os ingleses foram os vencedores da história, que instintivamente não parece normal ou apropriado pensar que já fomos vítimas, embora, neste caso, tenhamos sido. Terão sido vítimas do Massacre do Norte meus ancestrais? Certamente há uma grande possibilidade. Dado o número de pessoas afetadas e o número de descendentes que alguém que viveu em 1070 terá hoje, é bem possível que seus ancestrais também tenham sido, se você tiver ainda que um mínimo de sangue inglês, não importando onde viva no mundo.
Contudo, para ser honesto, tenho dificuldade em ver os ingleses de 1070 como sendo realmente nós. Posso me identificar facilmente com pessoas de até mais ou menos 300 anos atrás, mas para épocas anteriores as coisas começam a ficar muito confusas. As pessoas cujas casas e fazendas foram incendiadas e que fugiram para salvar suas vidas (ou seja, os que tiveram sorte) provavelmente eram, em sua maioria, parecidas fisicamente conosco, mas não teríamos quase nada em comum para conversar com elas, se por um milagre chegássemos a entender algumas palavras que um dissesse ao outro.
Eles não eram nós, mas precisaram existir para que pudéssemos vir ao mundo, da mesma forma que não vejo meu eu de três anos de idade como, em qualquer sentido significativo, o mesmo eu que está escrevendo isto agora, e no entanto há ainda uma razão pela qual pretendo mesmo assim guardar as fotos antigas.
Não quero um pedido de desculpas de quem quer que seja o político de mais alto escalão na Normandia e também não quero que derrubem a estátua de Guilherme, o Conquistador, porque isso não significaria nada. Espero, para seu próprio bem, que ninguém que hoje viva se sinta nem um pouco culpado por isso e que possam negar a cifra de 100.000 o quanto quiserem; eu não me importo. Guilherme, o Conquistador, fez o que precisava fazer e, se os anglo-saxões não gostaram, então mais deles deveriam ter lutado ao lado do rei Harold em Hastings.
Os anglo-saxões perderam seu país em 1066 e prevê-se que nos tornaremos minoria no nosso em 2066 (uma projeção que se baseia em dados de 10 anos atrás; portanto, realisticamente, essa data já pode ter sido bastante antecipada).
No entanto, os anglo-saxões de 1070 constituíam uma parcela muito maior da população do que somos hoje. Os normandos dominaram completamente a Inglaterra sendo menos de um por cento da população, e os britânicos governaram a Índia por muito tempo sendo muito menos do que isso. Não é apenas uma simples questão de quem compõe qual percentagem da população, mas de quem tem o poder e está disposto a usá-lo.
A razão pela qual desejo que os acontecimentos de 1070 sejam mais conhecidos não é chafurdar em um sentimento de vitimização por eventos que ocorreram há muito tempo, mas pela relevância de sua mensagem para nós hoje, na bela confusão em que nos metemos.
Nunca devemos nos deixar tornar a raça subjugada em nosso próprio país; lembrem-se do que aconteceu da última vez.”
(Alex Simmonds, The North Doesn’t Remember

https://www.patrioticalternative.org.uk