quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O Cristianismo não é uma adaptação do Mitraísmo


“Uma semelhança entre Mitra e Cristo impressionou até mesmo antigos observadores, como Justino, Tertuliano e outros Padres, e nos últimos tempos tem sido usada para provar que o Cristianismo é apenas uma adaptação do Mitraísmo ou no máximo o resultado das mesmas idéias e aspirações religiosas (por exemplo, Robertson, "Pagan Christs", 1903). Contra esse procedimento errôneo e não científico, que não é endossado pela maior autoridade viva do Mitraísmo, as considerações a seguir devem ser apresentadas.
(1) Nosso conhecimento sobre o Mitraísmo é muito imperfeito; cerca de 600 inscrições breves, a maioria dedicatórias, cerca de 300 monumentos em sua maioria fragmentários, exíguos e quase idênticos, algumas referências ocasionais nos Padres ou Atos dos Mártires e uma breve polêmica contra o Mitraísmo que o armênio Eznig, c. 450 d. C, provavelmente copiou de Teodoro de Mopsuéstia (m. 428), os quais viveram quando o Mitraísmo já era quase uma coisa do passado - essas são nossas únicas fontes, a menos que incluamos o Avesta, em que Mitra é realmente mencionado, mas que não pode ser uma autoridade para o Mitraísmo romano com o qual o Cristianismo é comparado. Nosso conhecimento é principalmente um trabalho de adivinhação engenhoso; do verdadeiro funcionamento interior do Mitraísmo e do sentido em que foi entendido por aqueles que o professavam quando do advento do Cristianismo, nada sabemos.
(2) Algumas aparentes semelhanças existem; mas em vários detalhes é bem provável que o Mitraísmo tenha tomado emprestado do Cristianismo. Tertuliano, ao redor de 200 d. C, podia dizer: "hesterni sumus et omnia vestra implevimus" ("somos de ontem, mas seu mundo inteiro está cheio de nós"). Não seria antinatural supor que uma religião que se espalhou pelo mundo inteiro fosse copiada, pelo menos em alguns detalhes, por outra religião bastante popular durante o terceiro século. Além disso, as semelhanças apontadas são superficiais e externas. Semelhança em palavras e nomes não é nada; é o sentido que importa. Ao longo desses séculos, o Cristianismo cunhou seus próprios termos técnicos, e naturalmente tomou nomes, termos e expressões correntes naqueles dias; e o mesmo fez o Mitraísmo. Mas sob termos idênticos, cada sistema pensava com seus próprios pensamentos. Mitra é chamado mediador; e assim o é Cristo; mas Mitra originalmente apenas em um sentido cosmogônico ou astronômico; Cristo, sendo Deus e homem, é por natureza o Mediador entre Deus e o homem. E assim em casos semelhantes. O Mitraísmo tinha uma eucaristia, mas a idéia de um banquete sagrado é tão antiga quanto a raça humana e existiu em todas as idades e entre todos os povos. Mitra salvou o mundo sacrificando um touro; Cristo, sacrificando a Si mesmo. Dificilmente é possível conceber uma diferença mais radical do que aquela entre Mitra tauróctono e Cristo crucificado. Cristo nasceu de uma virgem; não há nada que prove que o mesmo se acreditava de Mitra, que nasceu de uma rocha. Cristo nasceu em uma caverna; e os mitraístas adoravam em uma caverna, mas Mitra nasceu debaixo de uma árvore, perto de um rio. Muito se falou da presença de pastores adoradores; mas sua existência em esculturas não foi comprovada e, considerando que o ser humano ainda não havia aparecido, é um anacronismo supor sua presença.
(3) Cristo era um personagem histórico, nascido recentemente em uma conhecida cidade da Judéia, e crucificado sob um governador romano, cujo nome figurava nas listas oficiais comuns. Mitra era uma abstração, uma personificação nem sequer do sol, mas da luz difusa do dia; sua encarnação, se assim se pode chamar, deveria ter acontecido antes da criação da raça humana, antes de toda a história. As pequenas congregações mitraicas eram como lojas maçônicas para uns poucos e somente para homens, e estes pertenciam em sua maioria a uma classe, os militares; uma religião que exclui a metade da raça humana não tem comparação com a religião de Cristo. O Mitraísmo era compreensivo e tolerante com todos os outros cultos; o próprio Pater Patrum era adepto de várias outras religiões; O Cristianismo era essencial e exclusivo, condenando todas as outras religiões do mundo, sozinho e único em sua majestade.”

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