sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A expulsão dos judeus em 1492: a lenda que construíram os inimigos da Espanha

"Diante da hegemonia militar que impulsionou o Império espanhol durante os séculos XVI e XVII em toda a Europa, seus inimigos históricos só puderam contra-atacar através da propaganda. Um campo onde a Holanda, a França e a Inglaterra se moviam com habilidade e que desembocou em uma lenda negra sobre a Espanha e os espanhóis ainda presente na historiografia atual. Assim como com a Guerra de Flandres, a Conquista da América ou a Inquisição espanhola, a propaganda estrangeira intoxicou e exagerou o que realmente ocorreu na expulsão dos judeus dos reinos espanhóis pertencentes aos Reis Católicos em 1492. Em suma, os vencedores são os encarregados de escrever a história e a Espanha não estava incluída neste grupo.
As expulsões e agressões a populações judias foram uma constante durante toda a Europa medieval. Exceto na Espanha, os grandes reinos europeus haviam cometido rajadas de expulsões desde o século XII, em muitos casos de um volume populacional similar ao de 1492. Assim, o Rei Felipe Augusto da França ordenou o confisco de bens e a expulsão da população hebraica de seu reino em 1182. Uma medida que no século XIV foi imitada outras quatro vezes (1306, 1321, 1322 e 1394) por distintos monarcas. Não sem efeito, a primeira expulsão maciça foi ordenada por Eduardo I da Inglaterra em 1290. Também foram registradas as que tiveram lugar no Arquiducado da Áustria e no Ducado de Parma, já no século XV.
A expulsão dos judeus da Espanha foi assinada pelos Reis Católicos em 31 de março de 1492 em Granada. Longe das críticas que séculos depois recebeu na historiografia estrangeira, a decisão foi vista como um sintoma de modernidade e atraiu as felicitações de meia Europa. Nesse mesmo ano, também a Universidade de Sorbonne de Paris transmitiu aos Reis Católicos suas felicitações. De fato, a maioria dos afetados pelo edito eram descendentes dos expulsos séculos antes na França e na Inglaterra.
A razão que se escondia por trás da decisão era a necessidade de acabar com um grupo de poder que alguns historiadores, como William Thomas Walsh, qualificaram como "um Estado dentro do Estado". Seu predomínio na economia e na banca tornava os hebreus os principais prestamistas dos reinos hispânicos. Com o intento de construir um estado moderno pelos Reis Católicos, fazia-se necessário acabar com um importante poder econômico que ocupava postos chaves nas cortes de Castela e de Aragão. Apesar disso, os que abandonaram finalmente o país pertenciam às classes mais modestas; os ricos não duvidaram em converter-se.
Portanto, o caso espanhol não foi o único, nem o primeiro, nem certamente o último, mas sim o que mais controvérsia histórica continua gerando. Como o historiador Sánchez Albornoz escreveu em uma de suas obras, "os espanhóis não foram mais cruéis com os hebreus que os outros povos da Europa, mas contra nenhum outro deles foram tão sanhosos os historiadores hebreus."
Que teve de diferente então esta expulsão? A maioria dos historiadores aponta que, precisamente, o chamativo do caso espanhol está no caráter tardio em relação a outros países e na importância social de que gozavam os judeus em nosso país. Ainda que não estivessem isentos de episódios de violência religiosa, os judeus espanhóis haviam vivido com menos sobressaltos a Idade Média que em outros lugares da Europa. Na corte de Castela – não assim na de Aragão – os judeus ocupavam postos administrativos e financeiros importantes, como Abraham Senior, desde 1488 tesoureiro-mor da Santa Irmandade, um organismo chave no financiamento da guerra de Granada.
Uma grande odisséia para os expulsos
Não obstante, o número de judeus na Espanha era especialmente elevado em comparação com outros países da Europa. Nos tempos dos Reis Católicos, sempre segundo dados aproximados, os judeus representavam 5% da população de seus reinos com cerca de 200.000 pessoas. De todos estes afetados pelo edito, 50.000 nunca chegaram a sair da península pois se converteram ao Cristianismo e uma terça parte regressou poucos meses depois alegando haver sido batizados no estrangeiro. Alguns historiadores chegaram a afirmar que só partiram definitivamente 20.000 habitantes.
Embora a expulsão de 1492 tenha sido superdimensionada em relação a outras na Europa, dando à Espanha uma imerecida fama de país hostil aos judeus, nada atenua que a decisão provocou um drama social que obrigou milhares de pessoas a abandonarem o único lar que haviam conhecido seus antepassados. Segundo estabelecia o edito, os judeus tinham um prazo de quatro meses para abandonarem o país. O texto permitia que levassem bens móveis mas lhes proibia retirarem ouro, prata, moedas, armas e cavalos. Os hebreus afetados pelo edito que decidiram refugiar-se em Portugal se viram logo na mesma situação: desterro ou conversão. Apesar disso, sua sorte foi melhor que os que viajaram ao norte da África ou a Gênova, onde a maioria foi escravizada. Na França, Luís XII também os expulsou. Começava naqueles dias uma odisséia para os chamados judeus sefarditas que duraria séculos, e que gerou uma nostalgia histórica pela terra de seus avôs ainda presente."

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