Czesław Miłosz: Œconomia Divina
Não achei que viveria momento tão singular.
Quando o Deus dos trovões e cumes rochosos,
O Senhor dos Exércitos, Kyrios Sabaoth,
Humilhasse mais duramente os homens,
Permitindo que agissem como bem quisessem,
Deixando-lhes as conclusões e não dizendo nada.
O espetáculo não lembrava, com efeito,
O ciclo de séculos das tragédias da realeza.
Estradas sobre vigas de concreto, cidades de vidro e ferro fundido,
Aeroportos inda maiores que territórios tribais
De súbito careceram de fundamento e ruíram.
Não em sonho, mas à luz do dia, porque amputados de si
Duravam como só dura o que não deveria durar.
Das árvores, pedras do campo, até dos limões na mesa
Fugiu toda a matéria e seu espectro
Não era mais que o vazio, fumaça numa película.
Deserdado dos objetos pululava o espaço.
Toda parte era parte alguma e parte alguma, toda parte.
As letras dos livros se apagavam, vacilavam e sumiam.
A mão não lograva traçar o signo da palmeira, o signo do rio, nem o signo do íbis.
Num alarido de muitas línguas era anunciada a morte da palavra.
O lamento era proibido, porque só lamentava a si mesmo.
Acometidas de inexplicável tormento as pessoas
Despiam-se nas praças, para que sua nudez intimasse o juízo.
Mas em vão ansiavam por horror, piedade e fúria.
Pouco fundamentados
Eram o trabalho e o descanso
E o rosto e os cabelos e os quadris
E toda e qualquer existência.
Tradução de Henryk Siewierski e Marcelo Paiva de Souza