“Que adverte o laicismo, quando com premeditada confiança afirma que existirá uma humanidade, obra exclusiva do homem, na qual a dor, o mal, o sofrimento, a “opacidade” do não-ser serão eliminados? Adverte que a dor é o seu pior inimigo, e isso que se deve denunciar, direi, gritar, ou seja que o homem é grandeza mas é também miséria, capaz de aperfeiçoamento mas insuscetível de ser perfeição; que é positivismo, mas que contém limites, que não é absoluto: que não é Deus. A dor é uma acusação tremenda: o laicista adverte-o, e rebela-se tentando arvorar o “espírito forte”, o “estóico”, o “enamorado do destino”, o “excepcional”, o “herói”, o “super-homem”, etc. Sobretudo protesta contra a dor moral; é arrependimento, remorso, amargura, angústia. O laicista dirá com Espinosa que estas são “fraquezas” da mesma natureza que o perdão, e que o “sábio” não chora e não ri, não se arrepende e não perdoa, não deve sofrer. Eis que assim o dever-ser do sábio laico reside na eliminação da dor e de todo sofrimento, incluindo o físico, em suportá-lo até conquistar o hábito da insensibilidade, no resgate do homem destas fraquezas transitórias. Mas a dor está sempre aí, em cada passo e cada palpitação, a recordar ao homem que, sem dor, não seria homem, mas um outro ser. Nietzsche, de fato, pensou no “super-homem”, que se situa além da humanidade do homem.
Mas eis que também desta vez o laicismo, pela sua dialética interna, se pôs em dificuldades: a) a dor é temporária e a humanidade futura ignorá-la-á (laicismo otimista); b) a dor é ineliminável e faz com que o homem seja sempre e só miséria (laicismo pessimista). Estas duas posições antitéticas arrancam do pressuposto comum de que existe o homem, e de que assim só existe o saber humano desacompanhado do divino; daqui, a) o laicismo otimista julga eliminar o “irracional” da dor na concepção dialética (Hegel e os hegelianos), sobre cujo desfecho se fundará uma humanidade perfeita; b) o laicismo pessimista aceita-o como o ineliminável irracional absurdo que torna absurda a vida (algumas formas de existencialismo ateu). Mas, precisamente nisto de confessar a sua impotência para explicar a dor (e, em definitivo, o mal), declara o laicismo a sua falência e proporciona-nos a prova de que o homem não é auto-suficiente, ou de que a instância religiosa e teísta brota da sua mesma estrutura ontológica, é imposta ao homem por ele próprio, ou seja pela sua própria natureza interior e profunda. Negado o pecado original, o mal e a dor não têm qualquer explicação. E não está aqui toda a verdade cristã: a dor é consequência do pecado e constitui a negação do homem, mas é também positivismo, enquanto se constitui poderoso meio de resgate, formidável possibilidade de salvação.
Santo Agostinho escreve que quem crê em Deus “chora e ri”, é homem em toda sua humanidade; o sábio laico, que não crê em Deus, não sabe chorar e não sabe rir: sabe tão-só ou soberbamente (nesciamente) rebelar-se, ou outro tanto, desesperar-se nesciamente. O laico soberbo de ontem vale o laico desesperado de hoje; ambos revelam a sua derrota face ao absurdo de uma vida incompreensível porque tão-só terrena, não humana porque apenas, demasiado, desoladamente humana, e assim sempre ao ponto de renegar o humano nas duas opostas evasões do “super-humano” e do “sub-humano”, nas quais o desfecho é idêntico.”
(Michele Federico Sciacca,
L’Ora de Cristo)
Tradução de Carlos Eduardo de Soveral