“A comemoração do septuagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial veio assentada, como não podia ser de outro modo, sobre uma montanha de mentiras e boatarias que voltam a nos confirmar que vivemos em um mundo incapacitado para qualquer regeneração; pois ali onde não há arrependimento, senão complacência no erro, só podem brotar frutos podres e venenosos. Com razão escrevia Georges Bernanos que “democracias e totalitarismos são os abscessos frios e os abscessos quentes de uma civilização degradada e desespiritualizada”.
Não poderíamos enumerar em um exíguo espaço de um artigo a ingente quantidade de mentiras que nestes dias são celebradas. Assim, por exemplo, trata-se de apresentar a derrota de Hitler como uma façanha das democracias aliadas, quando o certo é que a Hitler derrotou Stalin; e que só o desmoronamento da frente do Leste, conseguido em troca de uma mortandade incalculável de russos, favoreceu operações como o desembarque na Normandia, que o cinema depois magnificou de forma grotesca. Foi Stalin o grande vencedor daquela guerra; e em reconhecimento de sua vitória as democracias aliadas lhe entregaram meia Europa na Conferência de Yalta, para que fizesse com ela o que lhe desse na gana, como efetivamente fez.
Em troca, as democracias aliadas conseguiram que nunca se julgassem seus métodos de "libertação", consistentes em arrasar cidades até não deixar pedra sobre pedra e em bombardear populações civis do modo mais selvagem. Costuma-se recordar o caso extremo de Dresden (onde lançaram bombas de fósforo e napalm pelo gosto de aniquilar vidas inocentes), mas algo muito semelhante se fez com a maioria das cidades alemãs. E, depois deste genocídio indiscriminado, centenas de milhares de mulheres foram violadas pelos "libertadores"; e não somente, por certo, pelos soldados do Exército Vermelho (como pretendeu a propaganda oficial), mas também pelo "amigo americano", que acolhia e protegia em seu Exército as alimárias mais descontroladas.
Porém nenhuma das descomunais mentiras que nestes dias celebramos resulta tão grotesca como pretender que a derrota de Hitler constituiu a derrota de sua ideologia criminosa. Pois a metafísica que iluminava aquela ideologia criminosa correria a refugiar-se, sob disfarce democrático e pacifista, no bando dos vencedores, onde hoje campeia orgulhosa, transformada em Nova Ordem Mundial. Foi, com efeito, a Nova Ordem Mundial que tornou realidade o sonho do nazismo; foi a Nova Ordem Mundial que impôs o paganismo eufórico e endeusador do homem, o desprezo da lei natural e divina, a confiança cega e idolátrica no progresso, o desejo pseudomessiânico de alcançar uma unidade universal de formigueiro, a exaltação do individualismo e por sua vez a deificação alienante da "vontade geral", o triunfo do igualitarismo que conduz os povos à servidão, a aversão às sociedades naturais (unidas por laços de sangue e espírito) e sua substituição por sociedades de massas, a imposição de uma moral estatal, a subministração de prazeres plebeus e direitos de braguilha que mantenham controladas as massas, enquanto se tornam mais e mais egoístas. Foi a Nova Ordem Mundial que consumou, enfim, o sonho hitlerista de uma civilização degradada e desespiritualizada.
Talvez seja este triunfo do nazismo sob disfarce democrático o que a Nova Ordem Mundial celebra com tanto alvoroço, enquanto permite que as massas cretinizadas festejem na montanha de mentiras que criou para sua diversão e lazer."
(Juan Manuel de Prada,
Una Montaña de Mentiras)