quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Evolucionismo e teologia

“Sempre admirei as pessoas que dedicam sua vida à busca da verdade, tenham ou não tenham fé; e sempre me pareceram odiosas as pessoas que, para trapacear com o mundo, renunciam a buscar a verdade. Alguns desses trapaceiros encontrei debatendo sobre a tese darwiniana do evolucionismo e os dogmas teológicos do cristianismo; em seguida, quando você os confronta com essa espinhosa questão, saltam logo com réplicas: “Não há conflito algum entre evolucionismo e cristianismo”. E, certamente, não teria por que haver se ambos fossem certos, porque a ciência e a fé têm o mesmo fim, que é a descoberta da verdade, embora os procedimentos sejam diferentes (o método empírico na ciência, a Revelação na fé). Mas a crua verdade é que a tese de Darwin e o dogma cristão colidem frontalmente. Isso é algo que todos os evolucionistas ateus ou agnósticos com os quais conversei entendem com clareza (no que, pelo menos, demonstram probidade intelectual), mas que os evolucionistas crentes preferem ignorar, em um exercício flagrante de desonestidade intelectual. Darei aqui, apenas esboçadas, algumas dessas conclusões insuperáveis:
1) Segundo o dogma cristão, a Criação foi perfeita no começo e a morte apareceu como conseqüência do pecado. Porém, uma coisa é afirmar que a perfeição originária da Criação foi logo corrompida pelo pecado, que torna inevitável a luta pela existência, e outra completamente distinta... afirmar que essa luta pela existência havia sido o método escolhido por Deus para levar a cabo a perfeição da Criação originária! O cientista evolucionista Jacques Monod afirmou certa vez: “A seleção natural é o meio mais cego e cruel de desenvolver novas espécies. A luta pela existência e a eliminação dos mais fracos é um processo horrível... Surpreende-me que um cristão queira defender a idéia de que este é o processo que Deus estabeleceu para realizar a evolução”. Com efeito, é inconcebível segundo a fé cristã imaginar um mundo anterior à queda do homem onde a vida na terra fosse regida pela seleção natural. Contudo, parece evidente que a seleção natural, segundo as teses darwinianas, foi a lei que regeu a evolução das espécies desde que apareceu a vida na terra, e não só desde a queda do homem, que necessariamente teve de ser (segundo essas mesmas teses) muito posterior. É impressionante que um cientista ateu como Monod repare nesse paradoxo enquanto todos os cientistas crentes o evitam.
2) Mas se a lei da seleção natural pressupõe um Deus cruel, muito mais cruel todavia é tentarmos conciliar o dogma do pecado original com as teses evolucionistas. Na verdade, tal dogma só é assuntível desde uma concepção monogenista da espécie humana, pois o pecado original é uno em origem e se transmite por geração, ao modo de uma enfermidade hereditária. Porém, a lei de seleção natural exige aceitar o poligenismo: muitos, infinitos casais de hominídeos progressivamente evoluídos que, ao longo dos séculos, vão se transformando até se transformarem em seres humanos plenos. Aceitar que todo esse formigueiro de casais pecou seria como defender um funesto determinismo e negar a liberdade humana; ou, pior ainda, aceitar que um Deus maquiavélico os criou sem liberdade para resistirem ao pecado. Se não foi um o casal originário, para que batizar as crianças? E, ainda mais, se não há pecado original, que sentido tem a Redenção de Cristo? H. G. Wells, em sua História Universal, escreve sem rodeios: “Se todos os animais e o homem se desenvolveram mediante evolução, se não houve primeiros pais, nem Éden, nem Caim, todo o edifício do Cristianismo, a história do primeiro pecado e a razão de sua expiação caem como um castelo de cartas”. E o jornalista ateu G. Richard Bozarth o diz de forma ainda mais brutal: “O evolucionismo destrói por completo a razão pela qual a vida terrena de Cristo havia sido supostamente necessária. Demoli Adão e Eva e o pecado original e, entre os escombros, encontrareis os lamentáveis despojos do Filho de Deus”.
Em Monod, em Wells e até em Bozarth posso descobrir certa probidade intelectual. Não me parece assim nos trapaceiros que pretendem que não há conflito algum entre o evolucionismo e a fé cristã.”
(Juan Manuel de Prada, Evolucionismo y Teologia)