terça-feira, 22 de abril de 2014

O recurso à força

“... a ação violenta, até militar, não se pode considerar ilegítima por si mesma.
Apesar das dificuldades prudenciais temíveis de seu emprego, só interessa bem perceber que, para que seja fecunda, rica em resultados duradouros, esta forma de ação precisa de um corpo social em estado de saúde suficiente. Porque a violência como tal não é curativa. Pode, certamente, livrar de um parasita nocivo o corpo social (recém-ameaçado ou tocado superficialmente). Mas nunca bastou ou bastará por si mesma para devolver a saúde (entenda-se a ordem, ou, melhor ainda, a vontade da verdadeira ordem) a uma comunidade social profundamente contaminada pela Revolução.
A Espanha de 1936 pôde ser salva por um golpe de força porque não estava forte só superficialmente. Plena e inteira era a consciência de sua vocação, de seu “ser” histórico.
Mas quando, em suas camadas profundas, um país toma gosto pelas mentiras das quais morre, é em vão imaginar que se o possa salvar com um golpe de força, ainda que triunfante.
É mister mais que isso. O que é, por desgraça, mais longo e mais difícil.
Como disse Blanc de Saint-Bonnet: “Que é que se espera restabelecer politicamente, se previamente não se restabeleceu por meio da educação uma idéia justa de homem? Uma vez mais se multiplicarão as baionetas para substituir a razão. Mas que acontecerá se os que falam com as baionetas não são razoáveis? A sociedade afundará apesar das baionetas.”
O que não é uma condenação das baionetas! Quer dizer que a força sozinha não pode assegurar um êxito completo se não está envolvida, mantida por uma ação mais ampla, mais especificamente curativa!
Esta ação só pode ser obra de uma minoria.
Pois embora a maioria dos franceses, em 1789, continuasse sendo católica e monárquica, nem por isso se deixou de proscrever a religião e derrotar a monarquia, porque era amorfa essa maioria. O chefe, a aristocracia, o clero, o mundo dos salões, os que davam o tom, os que dirigiam os espíritos, haviam sido enganados pelas novas idéias, ou pelo menos muito enfraquecidos por elas.
Ora, quando, por haver perdido suas elites, uma sociedade perde o sentido do que é, do que deveria defender, suas próprias armas lhe caem das mãos. Ninguém se bate como é devido quando não se está seguro de seu direito, ou se está realmente por demais só “com sua idéia”. E se se combate nessas condições, já não é para vencer, é no desespero, para defender-se tratando de vender o mais caro possível sua pele.
Em outras palavras, se não se fez um determinado trabalho nos espíritos com a finalidade de ajudar, manter, prolongar o combate das armas, é impossível um êxito pleno, suficiente e duradouro. Acaba-se perdendo às doze e cinco o poder que se havia conquistado às doze em ponto. Porque só o mantém a força bruta, e assim é tanto moral como psicologicamente impossível que um Poder se mantenha por muito tempo e somente desta forma. A própria Revolução, que por princípio não tem nenhum escrúpulo em usar o terror, sabe muito bem que este não pode ser um procedimento normal de governo. Por isso mobiliza todos seus meios de formação para atrair em seu proveito o conjunto das almas.
Mas não se pode negar que o recrutamento é mais fácil para uma ação violenta. Porque as energias estão sempre prontas tão logo as paixões encontram alimento no que se lhes oferece. Enquanto que para trabalhar, estudar, atuar no silêncio e na paciência, humildemente, penosamente, o número de voluntários é irrisório.
São inumeráveis os casos dos que estiveram e estariam contudo dispostos a deixar-se matar pela pátria em combates heróicos, mas que não chegam a mover um dedo para defendê-la um pouco a cada dia no plano cívico contra as forças internas da desagregação.
O que levava Bonald a dizer que “a fortaleza que provém dos princípios é mais firme que a que provém do temperamento e do caráter.””
(Jean Ousset, L'Action)