domingo, 11 de agosto de 2013

As idéias religiosas heréticas de Piotr Ilitch Tchaikovsky

“Os métodos cristãos eram muito rigorosos, austeros e frios para Tchaikovsky, ao passo que o elemento místico de toda religião entrava em choque com as “faculdades racionais” do homem e as conclusões “alcançadas pelos processos críticos da mente”. O dogma da punição pelos pecados parecia a Tchaikovsky “monstruosamente injusto e irracional”. Por outro lado, a idéia do além como uma existência serena e imperturbável e um estado de felicidade eterna ele considerava não apenas fantástica, mas extraordinariamente insípida, aborrecida e pouco atraente. “Cheguei à conclusão de que, se existir realmente vida após a morte, ela existe apenas no sentido em que a matéria não morre e também na concepção panteísta da eternidade da natureza na qual constituo um fenômeno microscópico. Em suma, não consigo compreender a imortalidade individual. De fato, como podemos imaginar uma eterna vida futura de prazeres eternos? Para que haja prazer e felicidade é preciso que haja seu oposto – o sofrimento eterno. Este último eu repudio completamente. Por fim, nem mesmo sei se alguém deveria desejar uma vida após a morte, pois o único encanto que a vida tem é o revezamento de alegrias e tristezas, a luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, em suma, a unidade dos opostos. Como se pode imaginar que a eternidade é uma felicidade infinita? Segundo nosso entendimento mundano, também um dia nos cansaríamos da felicidade, se ela jamais nos abandonasse. Como resultado desse raciocínio, cheguei à conclusão de que não há eternidade. Contudo, convicção é uma coisa, instinto e sentimento são outra. Enquanto nego que haja um além eterno, é com indignação que rejeito ao mesmo tempo o pensamento monstruoso de que jamais verei de novo meus entes queridos que já estão mortos. Apesar da força triunfante de minhas convicções, jamais me reconciliarei com o pensamento de que minha mãe, a quem tanto amei e que foi uma pessoa tão maravilhosa, desapareceu para sempre e que nunca mais poderei dizer-lhe que mesmo depois de vinte e três anos de separação eu ainda a amo da mesma maneira.”
(Dmitri Shostakovich et al, Russian Symphony: Thoughts about Tchaikovsky)

“Sim, meu amigo! É melhor morrer todos os dias durante milhares de anos do que perder os que amamos e procurar consolo na idéia hipotética de que nos encontraremos de novo no outro mundo! Será que nos encontraremos de novo? Felizes são os que conseguem não ter dúvidas a esse respeito.”
“Que abismo infinitamente profundo entre o Velho e o Novo Testamento! Estou lendo os Salmos de David e não entendo por que, em primeiro lugar, eles são tão apreciados em termos artísticos e, em segundo, de que maneira eles poderiam ter qualquer coisa em comum com o Evangelho. David é completamente mundano. A humanidade inteira ele divide em duas partes desiguais: a dos ímpios, à qual pertence a grande maioria, e a dos justos, em cuja liderança ele se coloca. Sobre os ímpios, ele invoca em cada salmo o castigo divino, e sobre os justos, a recompensa; mas tanto o castigo quanto a recompensa são materiais. Os pecadores serão aniquilados; os justos colherão os benefícios de todas as bênçãos da vida terrena. Quão diferente de Cristo que orava por seus inimigos e para seus companheiros prometia não bênçãos materiais, mas o Reino dos Céus. Que poesia eterna e, tocante até as lágrimas, que sentimento de amor e piedade pela humanidade nas palavras: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados.” Todos os Salmos de David nada são se comparados a essas simples palavras.”
“Como me foi estranho ler que 365 dias atrás eu ainda tinha medo de reconhecer que, apesar de todo o fervor de sentimentos de simpatia despertados por Cristo, eu ousava duvidar de Sua Divindade. Desde então, minha religião se tornou infinitamente mais clara; eu pensava muito sobre Deus, sobre a vida e a morte durante todo esse tempo, e especialmente em Aachen as questões vitais: por quê? como? por qual razão? ocupavam-me e pendiam sobre mim de um modo perturbador. Gostaria de algum dia expor em detalhe minha religião, nem que seja para explicar minhas crenças a mim mesmo, de uma vez por todas, e a fronteira onde, depois da especulação, elas começam. Mas a vida passa rápido com seus estímulos e não sei se terei sucesso em expressar esse meu Credo que recentemente se desenvolveu em mim. Ele se desenvolveu muito claramente, mas ainda não o adotei em minhas orações. Ainda rezo como antes, como me ensinaram a rezar. Mas Deus dificilmente precisa saber como e por que alguém reza. Deus não precisa de reza. Mas nós precisamos.”
(Wladimir Lakond, The Diaries of Tchaikovsky)