terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um falso dilema

“A objeção deles à nossa posição, em suma, é que o único magistério vivo digno desse nome é o magistério de hoje, não o de ontem. Apenas o magistério de hoje pode dizer o que se conforma à Tradição e o que lhe é contrário, pois somente ele representa o magistério vivo, o intérprete da Tradição. Portanto, devemos escolher uma de duas coisas: ou rejeitamos o Vaticano II, julgando-o contrário à Tradição, mas ao mesmo tempo contradizendo o único magistério possível, o magistério vivo, que é o de hoje (o magistério de Bento XVI), e não somos católicos mas protestantes; ou pelo contrário decidimos não ser protestantes e somos obrigados a aceitar o Vaticano II para obedecer ao magistério vivo, que é o de hoje, declarando que o Concílio está em conformidade com a Tradição. Isto é um dilema, em outras palavras, um problema com nenhuma solução visível além das duas que foram indicadas: se tentarmos evitar um dos dois chifres, não evitaremos o outro. Mas na realidade esse dilema é falso. Pois existem também os falsos dilemas...
As duas alternativas podem ser evitadas, ambas ao mesmo tempo, porque existe uma terceira solução. É possível rejeitar o Vaticano II sem ser protestante e obedecendo ao magistério; é possível não ser protestante e obedecer ao magistério sem aceitar o Vaticano II... O dilema é falso porque uma distinção indispensável é omitida. Se fizermos a distinção, encontraremos a saída do dilema, porque mostraremos que há uma terceira alternativa. Nossa resposta, portanto, consiste em fazer essa distinção.
... [a expressão] “magistério vivo” não significa “contrário ao magistério passado”; significa “contrário ao magistério póstumo”. O magistério vivo é o magistério do presente, mas também o do passado. A objeção à nossa posição consiste em combinar “magistério vivo” e “magistério presente” e estabelecer esse “magistério vivo” em oposição ao magistério passado. Essa combinação ocorre porque eles situam-se a si mesmos exclusivamente dentro do ponto de vista do sujeito. Eles não mais distinguem entre dois pontos de vista: o do ofício ou função (no qual o magistério vivo é ao mesmo tempo presente e passado) e o ponto de vista do sujeito (no qual o magistério vivo é apenas presente). Os dois se confundem e assim reduzem o magistério vivo ao magistério presente.
O argumento sofista usado contra nós consiste em confundir os dois significados do adjetivo “vivo” quando atribuído ao magistério. Nós dizemos que o magistério inclui todo o magistério do passado e do presente, e desta forma tomamos o ponto de vista correto, que é a perspectiva de uma função constante que está sempre em vigor, uma função cujo ato é definido por seu objeto. Os que objetam tomam o ponto de vista do sujeito e afirmam que o magistério vivo coincide exclusivamente com o magistério de um indivíduo presentemente vivo.
Por que essa confusão? Por que reduzir o magistério ao magistério do presente? Porque desde o Vaticano II eles estão tentando inventar um novo magistério. O magistério é redefinido, porque sua tarefa [agora] é exprimir a continuidade de um sujeito e não mais a continuidade de um objeto. A continuidade de um sujeito, Bento XVI nos diz em seu discurso de 2005 [à Cúria Romana], “que aumenta no tempo e se desenvolve, mas permanecendo sempre o mesmo e único sujeito do Povo de Deus em caminho”. Para Roma, o magistério vivo é exatamente o magistério de Bento XVI, ao contrário do magistério de São Pio X ou de Pio XII. E esse magistério é corrente porque é subjetivo, porque expressa a continuidade de um sujeito. Esse é um dos pressupostos da Tradição viva no discurso de 2005.
O magistério não mais se define em termos da verdade eterna e perene da revelação (que permanece a mesma, seja no passado, no presente ou no futuro). Esse novo magistério redefine-se em termos do atual sujeito de autoridade, que é ele mesmo o porta-voz de outro sujeito mais fundamental que é o único povo de Deus em sua jornada através dos tempos. O magistério vivo é sempre o magistério deste tempo presente, porque se situa em relação ao Povo de Deus que vive neste tempo presente. O papel do magistério é garantir a continuidade de uma experiência, é o instrumento do Espírito que alimenta a comunhão “assegurando a conexão entre a experiência da fé apostólica, vivida na comunidade original dos discípulos, e a experiência atual [i.e corrente] de Cristo em sua Igreja” (Bento XVI, “Comunhão no tempo: Tradição”, Discurso à Audiência Geral, 26 de abril de 2006).”
(Pe. Jean-Michel Gleize, F.S.S.P.X, Magisterium or Living Tradition, trechos da conferência proferida em 25 de janeiro de 2012 em Sion, na Suíça)