“Uma variedade de paranóia, incômoda para a administração da justiça, é a constituída pelos querelômanos ou processomaníacos: neles, o delírio de interpretação funde-se com o de perseguição, que pode tomar um caráter reivindicatório, isto é, tanto pode constituir uma defesa contra a injustiça de que o doente se julga vítima, como uma atividade destinada a obter o que julga ser-lhe devido.
Escreve, com exatidão, Di Tullio: “É determinado por um conceito errôneo e às vezes exagerado das leis e do seu processo, pela sobrevalorização dos seus interesses e dos seus direitos, pelo fanatismo em sustentá-los e pela errada convicção da existência de obstáculos destinados a impedir a sua realização” (Principi di criminologia clinica, p. 211).
A mentalidade especial do delirante paranóico, pronta a sobrevalorizar pequenas coisas, a interpretá-las em conformidade com uma idéia dominante, dirige-se à conduta processual do juiz e das outras partes e, finalmente, à sentença. É fácil que o juiz dê evidência, ao recolher as provas, a uma circunstância contrária aos interesses do paranóico, dirija uma palavra cortês à parte adversa, demonstre, pela cordialidade do tom, ser amigo do seu defensor; é possível que, na necessidade de adaptação de uma norma abstrata a um caso concreto, a lei seja aplicada com equidade, mas não com rigor jurídico; ora o querelômano registra estas pequenas coisas, atribui-lhes um valor excessivo, interpreta-as como manifestações de injustiça, de corrupção. Ao mesmo tempo, ele não tem uma visão exata daquilo que lhe pertence, de maneira que a mais justa das decisões, ainda que lhe seja favorável, parece-lhe uma velhacaria de que foi vítima. E pelo desejo de reagir contra uma injustiça judiciária, inicia-se a sua fastidiosa atividade de querelômano; por conseguinte, o delírio deriva de um insucesso judiciário, real ou inexistente, porque muitas vezes até o êxito favorável de uma causa se transforma, em virtude das desmedidas pretensões, numa derrota.
Estes enfermos ostentam, muitas vezes, um certo saber jurídico, mas é uma simples aparência, porque eles conhecem artigos e parágrafos, sem lhes ter compreendido exatamente o conteúdo.
Os querelômanos surpreendem, muitas vezes, pela limpidez de sua consciência, pela memória intacta, por uma lógica aparentemente impecável, pelo conhecimento da lei, de maneira que podem enganar advogados e juízes, o que, fomentando o seu delírio, cria, ao mesmo tempo, graves perigos à justiça. Mas à medida que o mal se agrava, revelam-se também pelo seu comportamento.
Efetivamente, ao expor as razões em que esteiam as suas idéias, estes indivíduos não raro entram numa fase emotiva e de excitação mais ou menos viva, que tem sido chamada de atividade hipomaníaca logorréica e graforréica, mas que, no entanto, na maior parte dos casos, conseguem dominar, enquanto não explodem em manifestações clamorosas, apelando para a opinião pública, tornando-se freqüentadores das antecâmaras dos magistrados e dos diretores de jornais, chegando a exaltações perigosas.
Estamos, portanto, a examinar uma variedade de paranóicos no segundo estádio do seu delírio: perseguidos, tornam-se perseguidores ferozes, encarniçados, petulantes, que acusam, denunciam, injuriam, ameaçam e chegam a ferir e a matar, desdenhando dirigir-se aos tribunais, que consideram injustos e corruptos.”
(Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária)
Padre ¿por qué me has abandonado? (II)
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