domingo, 20 de fevereiro de 2011

Os terrores da morte

“Parece-me desnecessário dizer algo a respeito dos terrores da morte. O assunto já foi tratado à exaustão por inúmeros autores; além disso, cada um de nós sabe por si mesmo que a vida é doce e a morte é amarga. Por mais idoso que seja um homem, precária sua saúde e miseráveis suas circunstâncias, o pensamento da morte não é bem-vindo. Há três razões principais por que todas as pessoas sensíveis temem tanto a morte.
Em primeiro lugar, porque o amor à vida e a repugnância à morte são inerentes à natureza humana. Em segundo, porque todo ser racional tem sempre a consciência de que a morte é amarga e que a separação entre alma e corpo não pode acontecer sem um sofrimento inexprimível. Em terceiro, porque ninguém sabe para onde vai após a morte ou como se sairá no Dia do Juízo Final.
Será melhor explicar a segunda e a terceira dessas razões de um modo mais detalhado, para que aqueles que vivem despreocupadamente possam talvez acordar para o medo da morte e não sejam pegos desprevenidos. Todas as pessoas instintivamente retrocedem diante da morte, pois ela é amarga e indescritivelmente dolorosa à natureza humana. A alma do homem é sujeita a muitas ansiedades, preocupações e tristezas, e o corpo é sujeito a dores e doenças de todos os tipos, mas nenhuma dessas dores pode-se comparar à agonia da morte. Um homem que perca seu bom nome e suas propriedades sente uma aguda tristeza, mas não morre dela. Todos os sofrimentos e doenças, todas as tristezas e angústias, por mais terríveis que sejam, ainda são menos amargos que a morte. Eis por que costumamos ver a morte como um poderoso monarca, o mais cruel, o mais implacável, o mais formidável inimigo da humanidade. Olha para um homem que luta contra a morte e verás como o tirano subjuga, desfigura e esgota sua vítima.
Ora, por que a morte é uma coisa assim tão dura e terrível? É porque a alma tem de separar-se do corpo. Corpo e alma foram criados um para o outro, e tão íntima é sua união que sua separação parece quase impossível. Eles suportariam quase qualquer coisa para não se separarem. A alma teme o futuro e a terra desconhecida para onde se dirige. O corpo sabe que tão logo a alma saia, ele será presa de vermes. Conseqüentemente a alma não suporta deixar o corpo, nem o corpo se separar da alma. Corpo e alma desejam que sua união permaneça intacta, para que juntos possam gozar as delícias da vida.
Em uma de suas epístolas a Sto. Agostinho, São Cirilo, bispo de Jerusalém, escreve sobre o que lhe contou um homem que voltou dentre os mortos. Entre outras coisas, ele disse: “O momento que minha alma deixou meu corpo foi de tamanha dor e angústia, que ninguém pode imaginar a aflição por que passei. Se todos os sofrimentos e dores imagináveis fossem colocados juntos, eles ainda não seriam nada em comparação com a tortura por que passei no instante da separação de corpo e alma.” E para enfatizar suas palavras, acrescentou, dirigindo-se a São Cirilo: “Tu sabes que tens uma alma e no entanto não sabes o que ela é. Tu sabes que existem seres chamados anjos, mas ignoras sua natureza. Tu sabes também que existe um Deus, mas não podes compreender Seu ser. É assim também com tudo que não tem uma forma corpórea; nosso entendimento não pode alcançar essas coisas. Da mesma maneira é impossível para ti compreender como pude sofrer uma agonia tão intensa em tão curto tempo.”
E se algumas pessoas falecem aparentemente de modo pacífico, é porque a natureza, exausta pelo sofrimento, já não possui a força de lutar contra a morte. Sabemos pelo próprio testemunho de Nosso Salvador que não há agonia como a da morte. Embora durante toda Sua triste Paixão Ele tenha sido torturado de um modo terrível, todo o martírio que padeceu não se pode comparar com o que sofreu no momento de Sua morte. Isso é o que nos dizem os Evangelhos. Em nenhum lugar encontramos que em qualquer período de Sua vida a enormidade das dores que suportou tivesse roubado de Nosso Senhor um grito de agonia. Mas quando chegou o momento que devia expirar, e a mão cruel da morte rasgou ao meio Seu coração, lemos que lançou um grande brado e entregou o espírito. Portanto é evidente que em nenhum momento da Paixão Cristo sofreu tanto como na dolorosa separação de Sua alma sagrada e Seu corpo abençoado.
Para que a humanidade pudesse de certo modo entender quão terrível foi a morte que Cristo sofreu por nós, Ele quis que nós, em nossa dissolução, provássemos algo da amargura de Sua morte e experimentássemos a verdade das seguintes palavras do Papa São Gregório: “O conflito de Cristo com a morte representou nosso último conflito, ensinando-nos que a agonia da morte é a agonia mais aguda que o homem jamais sentiu ou sentirá. É a vontade de Deus que o homem sofra intensamente ao final de sua vida, para que reconheça e aprecie a magnitude do amor de Cristo por nós, o inestimável benefício que nos conferiu ao sofrer a morte por nós. Pois teria sido impossível ao homem entender completamente o infinito amor de Deus, a menos que também bebesse um pouco do cálice amargo do qual Cristo bebeu.”
Nessa passagem das obras do santo Papa Gregório aprendemos que Cristo quis que todos os homens na hora de sua dissolução sofressem as mesmas dores que Ele sofreu por nós em Sua última agonia, para que pudessem obter algum conhecimento, por sua própria experiência, da horrível natureza da morte que padeceu por nós e do elevado preço que pagou por nosso resgate. Quão dolorosa, quão apavorante, quão terrível será a morte para nós, se ela se parecer, no mínimo que seja, com a morte angustiante de Cristo!
Um conflito severíssimo está diante de nós, pobres mortais! Que tormentos nos aguardam em nossa hora extrema! É-se quase inclinado a pensar que teria sido melhor jamais ter nascido, a nascer para sofrer uma tal agonia. Mas é assim que se conquista o céu, e somente por esse portão estreito é que entramos no paraíso. Por isso, ó cristão, aceita teu destino com alegria, e toma a firme resolução de agüentar em silêncio a amargura da morte. Pois é grande mérito entregar a própria vida – a vida que todos os homens amam tanto – e submeter-se, com mente pronta e disposta, aos tormentos da morte. E com o propósito de encorajar-te a ganhar mérito em teus últimos momentos, aconselho-te a fazer a seguinte determinação de sofrer com bravura a morte.
Resolução.
Ó Deus de toda justiça, que ordenaste que desde a queda de nossos primeiros pais todos os homens devessem morrer, e que fosse a sorte de muitos dentre nós que provassem na morte algo das dores que Teu Filho sofreu na hora de Sua morte, eu me submeto de toda vontade à Tua severa lei. Embora a vida me seja cara e a morte pareça amaríssima, por obediência a Ti eu voluntariamente aceito a morte com todas as suas dores e estou pronto para entregar minha alma onde, quando e da maneira que Tua divina providência determinar. E como fizeste a morte tão amarga aos homens, para que de algum modo pudessem sentir com sua própria experiência quão dolorosa foi a morte que Teu amado Filho sofreu por nós, eu livremente aceito a pena da morte, para que possa pelo menos em meu último fim conhecer algo das dores que meu abençoado Senhor sofreu por mim. Em homenagem, portanto, a Sua amarga Paixão e morte, eu alegremente me submeto a quaisquer sofrimentos pelos quais deva passar no momento de minha partida e declaro minha determinação de suportá-los com toda a constância de que for capaz. Peço que esta determinação de minha parte seja agradável diante de Ti e que me dês a graça de suportar minha última agonia com paciência. Amém.”
(Pe. Martin von Cochem, O.S.F.C, The Four Last Things)