“A revista “The Chesterton Review” de maio de 1992 republicou um ensaio de G. K. Chesterton chamado “As raízes do mundo” (The Roots of the World). Esse ensaio foi originalmente publicado no “The Daily News”, em Londres, no dia 17 de agosto de 1907. Nesse mesmo período Chesterton estava escrevendo sua obra “Ortodoxia” (Orthodoxy), que foi publicada em 1908.
O ensaio começa com uma espécie de parábola. Padre Ian Boyd CSB, em sua breve introdução ao texto na “The Chesterton Review”, observa que esse foi um ensaio muito famoso e que Chesterton costumava usar tais parábolas “como forma de ensinar verdades morais”. Suspeito que ele as usava também como um modo de ensinar as verdades metafísicas em que se baseiam as verdades morais.
Em suma, Chesterton discorria sobre a conexão existente em todo o universo, desde as coisas mais elevadas até as coisas mais inferiores. O que não podemos fazer é mudar Deus, mas, caso tentemos transformar Deus em algo que ele não é, acabaremos por mudar a nós mesmos ou mudar o mundo. Isso quer dizer que a lógica da mudança de uma coisa irá, necessariamente, resultar na mudança de outra coisa no mundo. Se pensarmos Deus de modo incorreto, pensaremos incorretamente o homem.
A estória é um modo novo de narrar a queda do homem do Paraíso, descrita no livro do Gênese. Há um jardim onde cresce uma estranha flor em forma de estrela e um menininho que está proibido de arrancar as plantas. Ele pode tirar as flores, mas não arrancar as plantas pela raiz.
Naturalmente, o menino, um reflexo do jovem Agostinho, quer algo mais nesse mundo do que arrancar a flor com raiz e tudo. Os mais velhos dão a ele inúmeras razões, não muito boas, para não arrancar a planta. Mas o menino tem um motivo “bobo” para querer arrancar a planta pela raiz, independente de qualquer argumentação. Ele explica que “a verdade exige que eu deva arrancar a coisa pela raiz para ver como ela está crescendo”.
Os pais e professores do menino nunca lhe disseram o verdadeiro motivo dessa proibição, ou seja, o fato de que ao arrancar a planta pela raiz, ele “mataria a planta e nada é mais verdadeiro numa planta morta do que a planta viva”. Em outras palavras, teria ajudado muito se os pais dessem ao menino uma razão precisa para a proibição, mas mesmo que não o fizessem, a proibição permanecia. Já que a planta morta não iria revelar a verdade sobre si mesma, o menino arriscou-se ao castigo por violar a proibição e correu o risco de perder a própria verdade, que não poderia ser descoberta por outro método.
Parece que, numa noite escura, o menino se esgueirou pelo jardim e começou a arrancar a planta pela raiz. De repente, coisas estranhas começaram a acontecer. Primeiro, o menino não conseguia arrancar a planta. Mas enquanto puxava, a grande chaminé de sua casa caiu. Ele puxou novamente e o estábulo caiu. Gritos de agonia começaram a ser ouvidos. O próprio castelo onde morava ruiu. Esse caos pareceu atemorizar o menino, mas ele cuidou de não dizer nada sobre o estranho incidente com a flor. Ele ainda não queria obedecer a proibição.
O menino cresceu e decidiu tentar arrancar a planta novamente. Agora ele era um político e o governante local. Ele se cercou de um grupo de homens fortes e proclamou: “Vamos decifrar o mistério dessa erva daninha irracional”. Então, começou a puxar a planta com grande força. De repente, caíram a torre Eiffel, a muralha da China e a estátua da liberdade. “A Catedral de St. Paul matou todos os jornalistas na Fleet Street”. O governante lembrou-se da primeira experiência no jardim.
Nas várias tentativas, os homens fortes conseguiram derrubar metade dos prédios do país do governante, mas, ainda assim, não puderam arrancar as raízes da planta. Finalmente, o governante desistiu de seu projeto, ficando bastante frustrado. No entanto, chamou seus pastores e mestres. Ele os culpava por não lhe dizerem que não poderia tirar a raiz daquela planta, e que, caso tentasse, destruiria tudo ao seu redor. Tudo o que os sábios lhe disseram foi que não fizesse aquilo. Agora o governante via os resultados, mas não admitia sua responsabilidade.
Essa parábola, é claro, trata do cristianismo e das tentativas dos homens secularizados em se livrarem dele. Ao atacar a religião, os defensores do secularismo acabaram, não por eliminar a religião, mas por arrancar as raízes “da vinha e da figueira, de todos os jardins de cada homem comum”. De certo modo há uma conexão entre religião e a vida do dia-a-dia.
Somos advertidos sobre a existência dessa relação e conseguimos obter algumas razões mal fundamentadas. Caso ponhamos em dúvida o erro ou acerto dessas razões, o que poderemos fazer é seguir adiante e tentar tirar as raízes da religião, acabando, nessa tentativa, por destruir o próprio coração da vida civilizada. Não pretendemos esse resultado, mas é o que acaba por acontecer. “Os secularistas não foram bem-sucedidos em destruir as coisas divinas, mas tiveram sucesso em destruir as coisas seculares”.
Os “inimigos da religião”, concluiu Chesterton, são como o menininho. Eles não podem deixá-la quieta. É uma espécie de fruto proibido, um desafio à autonomia deles. Eles vêem todas as proibições como meramente arbitrárias, como “algo violento”, não como algo razoável. Não podem acreditar que as desordens derivam das intromissões nas proibições solenes. “Eles diligentemente tentam estraçalhar a religião. Não podem arruinar a religião, mas conseguem destruir todo o resto”.
Mas, por que eles não conseguem destruir a religião? Os secularistas e os que se opõem à religião não podem tocar em seus axiomas, que são dogmas inteligíveis. Os axiomas permanecem como são, não importantdo o que aconteça no mundo. Ao não possuir as doutrinas da fé, eles necessariamente se comprometem com outras doutrinas. Defender que o homem não é feito à imagem de seu criador é tão dogmático quanto defender que ele o é.
Chesterton deu dois exemplos, o caso do pacifista e o do evolucionista. O pacifismo é uma doutrina sobre a coerção. O resultado disso é uma alternativa “intolerável e ridícula” onde “não devo culpar um rufião, nem elogiar o homem que o golpeia”. A teoria tem conseqüências estranhas.
Por causa das inúmeras gradações na natureza, sobre a qual está baseada a teoria evolucionista, não podemos, segundo ela, ser forçados a “negar a personalidade de Deus, pois um Deus pessoal também pode trabalhar com gradações, como de qualquer outro modo”. Então, permanece a teoria. No entanto, o que o evolucionista faz, se a teoria for levada ao pé da letra, não é negar a personalidade em Deus, mas negá-la, por exemplo, em João.
Se a evolução é verdadeira, João está contido nela. Ou seja, ele é ele mesmo, mas está constantemente “aparando as arestas”. Ele está, nesse exato momento, evoluindo e se transformando em algo diferente. Se tudo está em evolução, até nós mesmos, até mesmo o João, então, nessa mesma lógica, nós não somos realmente nós mesmos. O que por fim deve ser negado não é a personalidade em Deus, mas “a existência de um Sr. João individual”.
Se queremos que o João exista como João, então ele não deve estar, nem mesmo de leve, num processo de se transformar no Sr. Silva, ou em alguma espécie superior. A antiga religião quer que o João permaneça João. Se tentarmos arrancar as raízes dessa doutrina da religião, não terminaremos por eliminar a doutrina de que João é João, mas nos forçaremos a olhar para ele como “não-João”. No caso evolucionário, nessa lógica, o mundo está cheio de coisas, onde incluimos o João, que não são, realmente, elas mesmas.
Portanto não podemos, em verdade, destruir as coisas divinas, mas certamente podemos destruir as coisas humanas. Se observarmos as coisas humanas e seculares sendo destruídas, devemos começar a suspeitar de que estamos violando algumas proibições. Devemos suspeitar de que se arrancarmos determinada flor, iremos arrancar o mundo. Também não devemos esquecer de que as proibições estão, da mesma forma, enraizadas na verdade que o menininho estava buscando. A verdade é que ele não poderia conhecer a verdadeira realidade da flor se a matasse, arrancando-a do solo. A proibição teria salvado o mundo. A razão poderia ter salvado a flor.
Nas raízes do mundo repousa, incomodamente, a vontade que quer somente a sua própria verdade. As proibições nos dizem que há um mundo que nós, e o João, queremos, mesmo que não seja o mundo que estamos construindo. A flor já estava lá. João já era João. Os Mandamentos, as proibições, foram projetados para manter os dois. Mesmo se demolirmos todo o mundo, não acharemos nossa verdade, mas somente a Verdade. Há somente uma teoria, até onde sei, que permite João ser João. Essa teoria ainda é chamada cristianismo. Creio que esse é o sentido da parábola de Chesterton sobre as raízes do mundo.”
(Pe. James Schall, S. J,
On Not Wrecking Divine or Secular Things)
Tradução de Márcia Xavier de Britohttp://www.cieep.org.br/index.php?page=artigossemana&codigo=883
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