sábado, 4 de setembro de 2010

O pessimismo de Arthur Schopenhauer


“A superfície de uma mesa nos parece sólida e estática. Contudo, de acordo com a física, é altamente porosa e carregada de partículas elétricas. Já foi dito que a filosofia começa com o espanto. Também pode-se dizer que começa com a curiosidade. Filosofar é tentar abrir a porta que nos permite atravessar o limiar das aparências e entrar no reino das realidades. Além disso, a filosofia exige coragem, pois não sabemos o que há do outro lado da porta antes de abri-la. Precisamos de coragem para não nos abalarmos diante do desconhecido. A filosofia também exige sinceridade, para que possamos informar sobre o que vemos como é, sem embelezamentos ou menoscabos.
Arthur Schopenhauer (1788-1860) abriu aquela porta sagrada, “a única porta estreita para a verdade”, como ele a chamava, e viu algo, aparentemente sem recuar, mais horripilante do que o testemunhado por qualquer outro filósofo. Ele viu a realidade descoberta. Era a Vontade – a furiosa, cega, nua, sufocante e ímpia Vontade!
Schopenhauer descobrira a “coisa-em-si” e a descrevera como “um impulso cego e incessante”. “A Vontade é a coisa-em-si, o conteúdo interior, a essência do mundo.” Ela não tem nenhum objetivo além de si mesma e de sua ação gratuita. Ela se encontra em todo lugar, na força da gravidade, na cristalização das rochas, nos movimentos das estrelas e dos planetas, nos apetites dos animais selvagens e nas vontades dos homens. Essa força pesada e difusa, para Schopenhauer, manifesta-se como Natureza. É inútil um indivíduo lutar contra essa força que não tem qualquer consideração por ele e tende a aniquilá-lo. A Natureza, a própria personificação da Vontade, destina-se a destruir os mesmos indivíduos a quem ela dá existência.
Devemos “considerar todo homem”, aconselha-nos Schopenhauer, “em primeiro lugar e principalmente como um ser que existe apenas em conseqüência de sua culpa e cuja vida é uma expiação pelo crime de ter nascido.” Somente na morte há esperança. A morte é mais vasta que a vida, que é apenas a Vontade em sua forma objetivada. A morte nos liberta da loucura e do sofrimento da vida. Ao mesmo tempo, o mal é mais poderoso e mais real que o bem: “Pois o mal é justamente o positivo, o que se faz palpável, e o bem, por sua vez, i. e. toda felicidade e gratificação, é o negativo, a mera abolição de um desejo e a extinção de uma dor.” O mal perdura, ao passo que qualquer porção de bem fugaz de que gozemos acaba-se tão logo nosso apetite por ele se sacia. A própria vida, assim, é inerentemente má. É também má, afirma Schopenhauer, pois quanto mais elevado o organismo, maior o sofrimento. Ele nos convida a ponderar as delícias da existência contra suas dores, pedindo-nos que comparemos os sentimentos de um animal ocupado em comer outro com os do animal sendo comido. Uma Cultura da Morte, para Schopenhauer, é simplesmente a realização natural de sua Metafísica da Morte. Um pessimismo mais violento jamais foi redigido. Ninguém é mais pessimista que Schopenhauer. O famoso historiador Will Durant não estava sendo injusto ou imoderado quando disse do maior pessimista do Ocidente: “Dadas uma constituição doentia e uma mente neurótica, uma vida de lazer vazio e tédio melancólico, surge a fisiologia adequada à filosofia de Schopenhauer.”
René Descartes separou a mente da matéria e tentou reconectá-las. Schopenhauer destacou um tipo diferente de dualismo, entre mente e vida, com a segunda dominando a primeira. Ele retratava mente e vida como antagonistas entre si, enquanto desprezava a vida como o instrumento infeliz de uma devoradora Vontade. Aqui se reintroduz um espírito maniqueu – um medo da carne – que o Cristianismo, baseado na Encarnação de Cristo, sempre se empenhou em erradicar. Se a vida, que para Schopenhauer é sinônimo de Natureza, é má em si mesma, então não pode haver uma Mãe de Deus que dá à luz o Salvador. A maternidade, por estar profundamente arraigada na matéria (materia), não pode deixar de cumprir as ordens da Vontade.
O dualismo extremo e antagônico de Schopenhauer leva diretamente à sua degradação das mulheres. Ele separa os sexos da mesma forma que separa vida e mente. Entende-se melhor o gênio, afirmava, como “conhecimento desinteressado”. Somente os homens são capazes de gênio. As mulheres são as servas passivas da Vontade. Em seu “Ensaio sobre as Mulheres”, ele despreza a beleza delas e sustenta que as mulheres “são incapazes de ter um interesse puramente objetivo em qualquer coisa... Os mais distintos intelectos dentre elas jamais conseguiram produzir uma única realização nas belas artes que fosse genuína e original; ou dado ao mundo qualquer obra de valor permanente em qualquer área.” Considera as mulheres ou megeras ou pecadoras; não podia imaginá-las de outro modo. Acredita que a fraude é inerente às mulheres e duvida que devessem prestar juramento. Acusa as mulheres do pensamento de que é dever do homem ganhar dinheiro e delas o gastá-lo. Critica a extravagância delas, reclamando que “seu principal esporte ao ar livre são as compras.” De modo cáustico, observa que “quando as leis deram às mulheres direitos iguais, deveriam ter-lhes dado também intelectos masculinos.” Os testamenteiros literários de Schopenhauer acharam por bem suprimir algumas de suas observações sobre o sexo feminino. As que foram publicadas, contudo, foram mais do que suficientes para estabelecer sua reputação como um homem que não pensava muito bem das mulheres.
A filosofia de Schopenhauer pode ser convenientemente resumida como uma concatenação de três palavras: Vontade-Conflito-Miséria. A Vontade mostra-se a si mesma em todo lugar como um impulso primordial de gerar vida. Mas como ela avança sem qualquer princípio de organização – o que os filósofos e teólogos medievais chamavam de Providência – o palco está montado para incontáveis lutas e conflitos. Como cada ser vivo individual luta para continuar existindo, o mundo se torna em um vasto campo de batalha. Esse conflito cruel, voraz e desumano invariavelmente gera muita miséria. E é o ser humano que experimenta a miséria em sua forma mais aguda. É o caso do homo homini lupus est (o homem é lobo do próprio homem). “As misérias da vida podem crescer tanto”, ele nos diz, “que a morte, até então a mais temida entre todas as coisas, passa a ser avidamente buscada.” Então pode acontecer que “a brevidade da vida, tão constantemente lamentada, passa a ser a melhor qualidade que ela possui.” Os mais velhos, geralmente desgraçados, desejam a morte. Os que morrem jovens são abençoados pela mais notável das virtudes da vida.
É de uma ironia suprema que o feminismo radical do mundo contemporâneo, em especial a variedade que tem nojo da natureza biológica da mulher, tenha suas raízes filosóficas e históricas justamente naquele pensador cuja misoginia é sem par. É igualmente irônico que o filósofo que identifica o núcleo metafísico da realidade com a Natureza e a Vida veja a vida como maldição e a morte como libertação de sua miséria.
Talvez a mais perniciosa influência de Schopenhauer se encontre entre os que interpretaram errado sua separação entre a força instintiva da vida e qualquer estrutura racional como um golpe bem-vindo em favor da “liberdade”. A força da vida (inclusive o impulso sexual) precisa ser integrada, junto com a razão, à estrutura da pessoa inteira, a fim de que a liberdade tenha seu correto significado de “liberdade de satisfação”. Uma Cultura da Vida só tem sentido quando razão e liberdade estão ao lado da vida e com ela se harmonizam. “Liberdade de separação” é somente uma falsa imagem de liberdade. Dissociar a razão da vida debilita a vida e despoja-a de sua proteção e direção adequada. A Cultura da Vida, assim, é uma cultura que celebra a união de vida, liberdade e razão. A Cultura da Vida é na verdade a cultura da pessoa unificada.”
(Donald DeMarco, Arthur Schopenhauer: Architect of the Culture of Death)

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