domingo, 20 de junho de 2010

A seita dos fraticelli


“Todas as heresias têm sido esforços de reduzir as dimensões da Igreja. Se tivesse se tornado uma nova religião, o movimento franciscano teria sido afinal uma religião mais restrita. Na medida em que se tornou num ou noutro ponto uma heresia, foi uma heresia restrita. Fez o que a heresia sempre faz: colocou o estado de espírito contra a mente. O estado de espírito era de fato, originalmente, o bom e glorioso estado de espírito do grande São Francisco, mas não era naquele momento toda a mente de Deus ou mesmo do homem. E é um fato que o próprio estado de espírito degenerou quando se tornou monomania. Uma seita que veio a se chamar os fraticelli se declarou os verdadeiros filhos de São Francisco e rompeu com os compromissos de Roma em favor do que teria chamado de programa completo de Assis. Num curto espaço de tempo, esses franciscanos sem governo começaram a parecer tão ferozes quanto os flagelantes. Eles lançaram novas e violentas proibições; denunciaram o casamento; quer dizer, denunciaram a humanidade. Em nome do santo mais humano, declararam guerra à humanidade. Eles não desapareceram particularmente devido à perseguição; muitos acabaram por ser convencidos; e os teimosos que não se deixaram convencer lá ficaram sem produzir nada para lembrar qualquer pessoa, mesmo um pouco, do verdadeiro São Francisco. O problema que os atingiu foi o fato de serem místicos, místicos e nada mais do que místicos, místicos e não católicos, místicos e não cristãos, místicos e não seres humanos. Eles apodreceram porque, no sentido mais exato, não ouviram a voz da razão. E São Francisco, por mais estranhas e românticas que parecessem a muitos as piruetas que fazia, sempre se apegou à razão por meio de um invisível e indestrutível fio de cabelo.”
(Gilbert Keith Chesterton, Saint Francis of Assisi)

Tradução de Adail Ubirajara Sobral

3 comentários:

  1. Amigo Theophilus, sabe-me dizer se existe tradução em português dessa obra de Chesterton? Obrigado.

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  2. Harms, existe sim: eu usei a edição da Ediouro com as duas biografias escritas por Chesterton, de São Tomás de Aquino e São Francisco de Assis, que na Livraria Cultura encontra-se esgotada mas você poderá ainda encontrar na Siciliano (www.siciliano.com.br); não sei se enviam para Portugal. Um abraço.

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  3. Obrigado pela informação. Vou tentar que me enviem, pois em Portugal não conheço nenhuma edição da obra. Aliás, só nos últimos meses é que têm sido editadas algumas obras importantes de Chesterton (S.Tomás de Aquino, Ortodoxia, O Homem Eterno e outras). Abraço.

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