sexta-feira, 30 de junho de 2023
A crise moderna se chama revolução
“Todas as crises se resumem em uma: a crise do homem. As muitas crises que abalam o mundo hodierno — do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. — não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem.
Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem - para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades.
Essa crise é universal. Não há hoje povo que não esteja atingido por ela, em grau maior ou menor. Essa crise é una. Isto é, não se trata de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos irrelevantes.
Essa crise é total. Considerada em dado país, essa crise se desenvolve numa zona de problemas tão profunda, que ela se prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem.
É dominante. Essa crise é como uma rainha a que todas as forças do caos servem como instrumentos eficientes e dóceis. É sucessiva. Essa crise não é um fato espetacular e isolado. Ela constitui, pelo contrário, um processo crítico já cinco vezes secular, um longo sistema de causas e efeitos que, tendo nascido, em momento dado, com grande intensidade, nas zonas mais profundas da alma e da cultura do homem ocidental, vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões.
A causa principal de nossa presente situação é impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência.
Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução.
Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos.
Entre as paixões desordenadas, o orgulho e a sensualidade ocupam um lugar proeminente. Eles marcam o utopista com duas notas principais: o desejo de ser supremo em sua esfera, não aceitando sequer um Deus transcendente, e a tendência a uma plena liberdade na satisfação de todos os instintos e apetências desregradas.
A Revolução é a desordem e a ilegitimidade por excelência. Os agentes do caos e da subversão fazem como o cientista, que em vez de agir por si só, estuda e põe em ação as forças, mil vezes mais poderosas, da natureza.
Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo.
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade.
A Pseudo-Reforma foi uma primeira Revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.
Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo.
O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico.”
(Plínio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução)