sexta-feira, 12 de agosto de 2016
A monomania terrorista
“A avaliar pelo número de autores de atentados terroristas que são rapidamente apresentados como casos de psiquiatria temos de admitir que vindas não se sabe donde legiões de doentes mentais, enquanto gritam “Allah Akbar” (Alá é grande), desataram a degolar, mutilar, alvejar ou atropelar aqueles que têm o azar de se cruzar com eles.
No passado os loucos queriam lavar-nos os vidros do carro na avenida do Brasil, subir ao zimbório da Estrela porque achavam que eram ágeis como os macacos ou mais prosaicamente tinham aquilo que o povo designava com ataques.
Depois a farmacopeia e a medicina fizeram esquecer os internamentos psiquiátricos de caracter perpétuo e os coletes-de-forças. Gente que se acha intelectualmente superior aproveitou o embalo para declarar que não podemos falar de normalidade ou de loucura porque a normalidade, dizem, é um preconceito… E estávamos neste dogma reconfortante até que o doente psiquiátrico que quer ser terrorista se tornou uma figura recorrente dos nossos noticiários.
Desconheço os procedimentos para classificar e identificar as doenças. À excepção, claro, daquelas, como acontece com a presente epidemia que afecta homens que pretendem assassinar os seus semelhantes, epidemia essa estudada não nas faculdades de Medicina mas sim nos estúdios de televisão, redacções e corredores do poder. Estas doenças, nadas e criadas entre políticos em desespero, jornalistas e activistas, não precisam de testes, exames ou descrição. Existem porque eles dizem que existem. A última destas doenças inscrita no compêndio político-jornalístico é o o terrorismo como uma manifestação da doença mental.
Quem seguir as notícias sobre atentados e tentativas de atentados na Europa descobre rapidamente que não há semana em que um homem, logo classificado como pessoa com problemas psiquiátricos, não tente degolar, atropelar ou mutilar alguém com quem se cruza na rua. Algumas testemunhas referem que a dita pessoa justificava o seu acto invocando a sua fé no Islão ou tinha em seu poder propaganda fundamentalista mas rapidamente esses detalhes são enquadrados do ponto de vista clínico. Aliás quer essa fixação em quererem separar-nos a cabeça do corpo, quer o reivindicar-se muçulmano ou, mais espantosamente ainda, declarar a sua fidelidade ao Daesh/Estado Islâmico são vistas como manifestações dessa mania do terrorismo, por assim dizer.
Em resumo os terroristas que não são verdadeiros terroristas porque são doentes psiquiátricos também não são verdadeiramente muçulmanos. Quanto à fidelidade ao Daesh também é só mais uma fantasia porque nunca existem provas que essa fidelidade seja real ou sequer reconhecida pelo Daesh. Presumo que se espera que o Daesh passe a emitir cartões de sócio e a distribuir cupões para, qual hipermercado, premiar os sues fiéis. Até lá nada feito.
Perante a sucessão de atentados temos necessariamente de admitir não só que o número de doidos furiosos está aumentar vertiginosamente como também que o terrorismo que durante décadas foi apresentado como o resultado da pobreza ou dos pecados originais (ou sem originalidade alguma) do mundo ocidental deixou de ser um capítulo dos estudos sócio-económicos para integrar o universo da psiquiatria. Chegámos aqui não porque se tenha tornado óbvio que o terrorismo nunca teve nada a ver com pobreza mas sim porque a aparente cegueira dos actuais terroristas na escolha dos seus alvos torna difícil o exercício habitual nestas coisas de transferir a culpa para as vítimas.
Convém não esquecer que a Europa dos grupos terroristas nascidos tantas vezes nos meios universitários e com enormes cumplicidades nos meios da cultura e do jornalismo, essa Europa habituou-se a justificar os atentados ora porque a vítima era polícia ou militar – logo defendia o sistema! – ou porque era patrão – nesse caso representava o próprio sistema – ou ainda porque o baleado tinha escrito ou dito algo que chocava a sensibilidade dos terroristas (um terrorista é um ser muito sensível não ao sangue mas sim às críticas.) Pois essa Europa bem pensante quando o alvo dos terroristas passou dos “do sistema” para “o todos e qualquer um” trasladou o terrorismo da Economia para a Psiquiatria. E assim não há dia, em que perante mais um atentado, não sejamos logo informados que o autor dos esfaqueamentos era um doente psiquiátrico ou, pasme-se, que tinha ido a consultas de Psiquiatria. Por este critério os potenciais terroristas são neste momento de milhões. Mas isso não parece causar perplexidade aos descobridores desta espécie de monomania terrorista.
A par dos doentes psiquiátricos temos também os lobos solitários. Estes caem mais no campo da Psicologia. Afinal os lobos solitários resolvem um belo dia levar a cabo um atentado. Porquê? Porque são solitários, porque ninguém os compreende, porque são um mistério, porque alguém lhes deu uma má resposta… Nunca se percebe ao certo o que pretendia o lobo solitário mas, pelo menos a avaliar pelo caso francês, o anúncio de que o autor do último atentado era um lobo solitário parece deixar todos mais tranquilos.
E assim entre doentes psiquiátricos, lobos solitários e outras figuras de encantar acabámos todos num manicómio.”
(Helena Matos, A Monomania Terrorista)
http://observador.pt