“O homem depende metafisicamente de Deus em seu ser e em seu operar. Donde a relação essencial, metafísica, irrenunciável do homem para com Deus. Mas, do mesmo modo, a sociedade humana, em qualquer de suas formas e em qualquer contexto, tem para com Deus a mesma relação e a mesma dependência que o indivíduo (Leão XIII, “Immortale Dei”). Por isso não pode ser atéia, nem agnóstica e nem laica. A sociedade humana em seu fim temporal é regida pela política. O objeto formal da política é o bem comum temporal: o bem da Cidade temporal. Este bem se fundamenta na ordem moral. A ordem moral depende essencialmente de Deus. Política sem Deus é antipolítica, posto ser o ordenamento ao “mal comum”, à autodestruição da sociedade.
O bem comum não é algo adicionado à sociedade, nem menos ainda algo tirado do indivíduo. O bem comum é o justo ordenamento de toda a vida social em vista à mútua perfeição: da pessoa singular pela comunidade e da comunidade pela pessoa singular. “A sociedade é meio” (Pio XII) para o aperfeiçoamento integral da pessoa humana. Daí que o primeiro BEM no bem comum é Deus; Quem, por outro lado, é o mais comum dos bens.
Também para a Política em seu ordenamento da vida social o primeiro e indispensável pressuposto é Deus. De outro modo, o bem comum temporal é impossível.
Mas manifesta-se Jesus Cristo. A presença de Cristo sobre o mundo não incide apenas no destino do homem, nem apenas nas estruturas espirituais simplesmente. Todo o cosmos é invadido por sua graça, ainda que diversamente.
Por Cristo, a ordem da graça, apoiada na ordem da natureza, tem uma relevância absoluta na ordem temporal. E de duas maneiras: a ordem temporal não pode obstaculizar a ordem da graça; e ademais, a ordem temporal deve ser informada pela graça. “Há que reconhecer que o Evangelho tem a função de informar integramente o pensamento do homem e toda sua atitude teórica e prática. Não se vê outro meio de salvação para a humanidade senão na reconstrução do mundo no espírito de Jesus Cristo. Convençam-se os homens responsáveis desta necessidade absoluta” (Pio XII, 28/10/1954).
Enunciados teológicos como estes: Cristo, recapitulação do universo, Princípio e Fim, Vida do cosmos, Caminho, Verdade e Vida, não estão limitados à esfera estritamente espiritual, pneumática. Excedem com sua dynamis e suas exigências sobre a ordem temporal, e criam uma ordem temporal, e criam uma ordem social cristã, uma sociedade cristã.
Dá-se em Cristo e por Cristo uma reintegração cósmica, cujo primeiro integrante e melhor favorecido logicamente é o homem, o qual se diviniza em Cristo. Mas o que ocorre entre o homem e Cristo por meio de Cristo deve ocorrer entre a sociedade e Cristo por meio do homem. O sentido de Cristo deve penetrar, impregnar, vivificar a sociedade humana para glória do Pai.
Esta última realidade é enunciada, sobretudo a partir de Pio XI, como REINADO SOCIAL DE JESUS CRISTO. Reinado social de Jesus Cristo não quer dizer teocracia, nem o domínio temporal da Igreja. Mas tampouco é um Reinado escatológico, para o fim do mundo, mas desde agora. E não apenas de iure: deve sê-lo de fato. Reinado social de Jesus Cristo significa que o homem e a sociedade humana vivem em Cristo sua metafísica dependência de Deus em uma ordem verdadeira; a ordem essencial da Verdade, da Justiça e do Amor. E significa, portanto, que todas as estruturas da ordem temporal se libertem da escravidão dolorosa da desordem e vivam também elas a liberdade da redenção.
A ordem temporal não profana, se por profana se entende o que não é santificável. O profano é simplesmente o distinto do que é sagrado pela via sacramental.
A ordem natural, da qual emana primariamente a ordem temporal, tem cunho divino: é o resplendor da ordem eterna em que vive Deus. A ordem temporal, santificável e santificante, deve ser sacralizada, santificada, consagrada e precisamente pelos fiéis (Pio XII). E sacraliza-se a ordem temporal quando se ajusta ao querer divino, e se a entrega como manifestação da vontade de Deus.
De fato, nos encontramos dentro de uma ordem social sem Deus. Ou o que é o mesmo ou pior: dentro da ordem da desordem. Dentro da contradição, da desintegração, da anarquia, inclusive frente à verdade.
Em um grito, no qual não há exagero algum, Pio XII, traça a trajetória deste processo – 12/10/1952: “Não pergunteis quem é o inimigo, nem que vestidos leva. Este se encontra em todas as partes e no meio de todos. Sabe ser violento e astuto. Nos últimos séculos tentou levar a cabo a desagregação intelectual, moral, social, da unidade do organismo misterioso de Cristo. Pretendeu a natureza sem a graça; a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes, a autoridade sem a liberdade. É um inimigo que cada vez se tem feito mais concreto, com uma despreocupação que nos deixa, no entanto, atônitos: Cristo, sim; Igreja, não. Depois: Deus, sim; Cristo, não. Finalmente, o grito ímpio: Deus está morto; mais ainda, Deus jamais existiu. E eis aqui a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre fundamentos que Nós não duvidamos em apontar como principais responsáveis da ameaça que gravita sobre a Humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus. O inimigo se preparou e se prepara para que Cristo seja um estranho na universidade, na escola, na família, na administração da justiça, na atividade legislativa, na inteligência entre os povos, ali onde se determina a paz ou a guerra. Este inimigo está corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos jovens e nas donzelas, e destrói o amor entre os esposos”.
Convém destacar no pensamento papal as duas presenças: a de Deus e a de Jesus Cristo nas estruturas tipicamente temporais, nas quais nem Deus e nem Cristo podem ser estranhos.”
(Jean Ousset, Introducción a la Política)
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