“Para condenar os atos de hostilidade à fé católica, costuma-se alegar ingenuamente que constituem “atentados à liberdade religiosa”; quando na verdade são a conseqüência natural da “liberdade religiosa”, tal como se configura nas declarações de direitos humanos. A própria Igreja adotou a linguagem característica de tais declarações quando consagrou que a liberdade religiosa é “inerente à dignidade da pessoa”; expressão barulhenta que nasce da confusão entre livre arbítrio e liberdade de ação. A “dignidade inerente à pessoa” baseia-se em seu livre arbítrio; mas de modo algum em sua liberdade de ação, a menos que tal liberdade a leve a aceitar a verdade e o bem. A “liberdade religiosa” é liberdade de ação que pode levar a pessoa a seguir qualquer seita destrutiva ou idoleto grotesco; ou seja, empurrá-la à indignidade mais sórdida e subumana. Como afirmava Leão XIII em sua encíclica Immortale Dei: “A liberdade, como elemento que aperfeiçoa o homem, deve aplicar-se exclusivamente à verdade e ao bem. Ora, a essência da verdade e do bem não pode mudar ao capricho do homem, mas é sempre a mesma e não menos imutável que a natureza mesma das coisas. Se a inteligência adere a opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem a inteligência nem a vontade alcançam sua perfeição; pelo contrário, decaem de sua dignidade natural e se corrompem. Não é, pois, permitido dar a lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário à virtude e à verdade, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a proteção das leis”.
A “liberdade religiosa” consagra exatamente o contrário: quer dizer, concede a tutela das leis a todo tipo de crenças, sejam boas, más ou neutras, de tal modo que todas valham o mesmo; ou seja, nada. E lá onde todas as religiões toleradas nada valem, é natural que a ordem temporal queira erigir-se a si mesma como religião única, usurpando os atributos divinos e exigindo adoração. Isso é o que se oculta por trás da afirmação de “liberdade religiosa” contida nas declarações de direitos humanos: visto que todas as religiões não valem um centavo, a única religião valiosa é a que se postula em tais declarações; e toda religião que ouse contrariar seu desígnio se converterá ipso facto em uma religião contrária à “dignidade humana”. Isso é o que está acontecendo hoje com a religião católica.
As declarações de direitos humanos nasceram escondidas atrás de uma vaga ética cristã que as fazia aparentemente compatíveis com a doutrina da Igreja. Mas aquela “compatibilidade” era um chamariz; desde que tais declarações foram formuladas até hoje, os direitos humanos foram mil vezes redefinidos e reinterpretados, como inevitavelmente acontece quando se afirma que a verdade e o bem podem mudar à vontade. Diante dessa visão dos direitos humanos como religião inatacável de conveniência em constante metamorfose, eleva-se a velha religião católica, ou seus escombros; e a “liberdade religiosa” se revolta contra ela, por considerá-la – com razão! – um obstáculo a sua hegemonia. Os atos de difamação e hostilidade contra a fé católica só farão crescer no futuro, apoiados na “liberdade religiosa”, como ocorre sempre que a inteligência adere a opiniões falsas, como ocorre sempre que a vontade escolhe o mal e a ele se apega.”
(Juan Manuel de Prada, Libertad Religiosa)