“Alguns anos atrás, o Washington Post publicou uma impressionante coluna de opinião, escrita por uma de suas colaboradoras e ex-chefe de departamento, Patricia E. Bauer. Patricia tem uma filha adulta com síndrome de Down e escreve sobre as grosserias que teve de suportar anos a fio. As pessoas perguntavam se ela fizera exame pré-natal. Estava subentendido que, se ela o tivesse feito, sua filha Margaret jamais teria nascido. Um etólogo da Ivy League disse em sua presença que as mães cujas crianças ainda não-nascidas testassem positivo para síndrome de Down tinham a “obrigação moral” de interromper a gravidez.
Percorremos um longo caminho. E terminamos de volta ao lugar de onde partimos, antes do surgimento do Cristianismo. Na infância da Igreja, na época dos Padres, o aborto e o infanticídio eram eventos comuns, que exigiam pouca deliberação. A arqueologia nos proporciona um raro vislumbre da vida íntima de pessoas comuns naquela época. Temos uma carta escrita por um negociante pagão a sua esposa grávida, onde se lê, entre as manifestações normais de afeto: “Se tiveres a criança (antes do meu retorno), se for um menino, fique com ele, se for menina, descarte-a”.
Na verdade, a maioria das culturas pagãs considerava um dever colocar os recém-nascidos “defeituosos” em monturos existentes nos limites das cidades, onde aves de rapina picavam-nos em pedaços. A maioria das famílias interpretava a palavra “defeituoso” em sentido lato, incluindo meninas e os que tinham alguma deficiência ou deformidade. Platão e Aristóteles recomendavam tal prática, e o historiador romano Tácito dizia ser “sinistra e revoltante” a proibição do infanticídio pelos judeus.
Essas práticas, contudo, produziram uma crise entre os pagãos. O aborto e o infanticídio levaram a baixas taxas de natalidade, alta mortalidade maternal, uma escassez de mulheres núbeis e uma ausência de cuidados familiares aos mais idosos. Por gerações, a decrescente população nativa de Roma ficou cada vez mais dependente de mercenários estrangeiros para completar as fileiras do exército e de imigrantes para os trabalhos servis que nenhum romano se dispunha a fazer. Isso criou uma infra-estrutura instável. Vários imperadores tentaram legislar sobre fertilidade, mas leis não costumam ser afrodisíacas. E o aborto mata o amor de um casal tanto quanto mata seus bebês. Além disso, as pessoas se acostumaram com uma vida ociosa e sem peias, passando de um prazer a outro, sem o estorvo dos filhos.
Enfrentamos uma crise semelhante em nossos dias. Os críticos do Cristianismo dizem querer promover uma sociedade tolerante, acolhedora e inclusiva. O que eles normalmente querem dizer com isso é uma sociedade que dá rédea solta a todos os vícios, toda luxúria cruel e todo pecado. Mas um número crescente de pessoas estão insatisfeitas com as conseqüências desses pecados. O que uma cultura deve fazer?
Nós, cristãos, temos as respostas. Cerca de 155 d.C, São Justino Mártir escreveu ao imperador: “Foi-nos ensinado que é maldade expôr as crianças recém-nascidas... Pois então seríamos assassinos.” No mesmo século, Atenágoras dizia: “As mulheres que usam drogas para produzir o aborto cometem assassinato.” Esses testemunhos aparecem no fim do jogo, meio século depois da primeira condenação cristã ao aborto documentada.
Nós também estamos vivendo, de certa maneira, no fim do jogo, mas não tão tarde para falar e falar sem rodeios. Nenhuma sociedade pode crescer se arranca a vida na semente ou em botão. Nenhuma sociedade pode ser inclusiva se recusa-se a acolher as pessoas mais vulneráveis. Foram os cristãos que construíram a primeira sociedade verdadeiramente tolerante, acolhedora e completamente inclusiva – com um impressionante sistema de bem-estar social. Eles o fizeram porque, ao contrário de seus governantes, eles não apenas toleravam os pobres e os fracos, não simplesmente os amavam com afeição humana. Eles viam o menor membro da família humana como uma imagem de Deus, como Cristo que deve ser acolhido, como anjos pedindo hospitalidade.
Eu citei a Didascalia Apostolorum aqui antes, mas não faz mal. Precisamos memorizar esta frase como se ela fosse a primeira lição do catecismo: “Viúvas e órfãos devem ser respeitados como o altar”.
Dessa reverência pela vida veio a verdadeira previdência social, a verdadeira estabilidade e prosperidade. Dessa reverência vieram muitas crianças amadas e amáveis como Margaret.”
(Mike Aquilina, A Culture Exposed)