“A solicitação de visto americano por Pablo Picasso em 1950 colocou os funcionários do Departamento de Estado e do FBI em alerta total. O propósito da visita do artista – sua primeira aos Estados Unidos – era liderar 12 delegados do Congrès Mondial des Partisans de la Paix (Congresso Mundial dos Partidários da Paz) até Washington em uma tentativa de convencer o Presidente Truman a eliminar a bomba atômica. O congresso da paz, fundado um ano antes em Paris e Praga, já havia sido identificado como uma poderosa frente comunista. Além disso, o próprio Picasso era considerado um dos principais membros do Partido Comunista Francês e estava sendo observado pelo FBI desde 1944. Após consultar as embaixadas americanas em Moscou e Paris, assim como membros do Congresso e o FBI, o Comitê de Relações Exteriores do Senado negou visto a toda a delegação.
Picasso, um soldado do Império do Mal durante a Guerra Fria? Embora a ligação do artista com o Partido Comunista no final dos anos 40 e início dos anos 50 seja bem conhecida, ela tem sido amplamente ignorada pelos estudiosos como um flerte ocasional, com uma leve, se é que houve alguma, influência em sua arte. As obras de Picasso não aderiam aos ditames da estética do Realismo Socialista e em geral não eram sequer consideradas adequadas para exibição na União Soviética. Além disso, seu mercado e seus admiradores mais importantes estavam no Ocidente burguês. Como é que ele pôde se tornar uma arma no arsenal anti-americano montado pelo cruel czar da cultura de Stalin, Andrei Zhdanov?
O pouco conhecido incidente do visto é apenas um dos notáveis exemplos do ativismo político de Picasso reunidos no livro de Gertje Utley,
Pablo Picasso: The Communist Years, publicado este mês pela Editora da Universidade de Yale. Picasso juntou-se aos comunistas franceses em 1944, aos 63 anos, e permaneceu um membro inabalável do partido por toda sua vida – mesmo após a revelação dos crimes do estalinismo, a brutal repressão soviética do levante húngaro em 1956 e a subseqüente deserção de vários intelectuais franceses com quem ele havia exercido a militância.
No auge de seu envolvimento, suas atividades incluíam relatos de missão aos principais
apparatchiks partidários, viagens pela Europa a fim de promover o movimento internacional pela paz e doações de grandes somas de dinheiro – freqüentemente na forma de obras de arte – a dúzias de causas apoiadas pelos comunistas. (Picasso apoiava numerosas iniciativas do partido, ou a este associadas, por meio de seu agente Daniel-Henry Kahnweiler, incluindo, por exemplo, doações de 2,5 e 3 milhões de francos em 1955 e 1956, respectivamente, para um evento anual do partido.) Sua arte expandiu-se para incluir cartazes partidários, desenhos sob encomenda para o jornal do partido,
L’Humanité, e quadros explicitamente políticos como
Massacre na Coréia (1951), uma obra atípica de propaganda denunciando o envolvimento americano na Guerra da Coréia. Ele deu até mesmo o nome de Paloma a sua filha, que é pomba em espanhol, depois que a cruzada comunista pela paz adotou seu desenho do pássaro como símbolo internacional.
(...) Picasso associou-se ao Partido Comunista no momento exato que este começava seu período de maior influência na vida cultural francesa. O líder comunista Maurice Thorez havia retornado do exílio na União Soviética e de 1945 a 1947 comunistas participaram do governo francês. Os excessos do estalinismo foram obscurecidos pelos sofrimentos do povo soviético no período de guerra e sua heróica vitória sobre os nazistas, ao passo que a Lei de Reajustamento de Veteranos e depois o Plano Marshall resultaram no que para algumas pessoas na França parecia ser uma nova espécie de “ocupação” pelos imperialistas americanos. Entre os simpatizantes e companheiros de viagem que foram atraídos para a linha antifascista e anti-americana do partido estavam celebridades culturais e escritores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e os artistas Fernand Léger, Henri Matisse e Tristan Tzara. John Richardson, um biógrafo de Picasso que conhecia bem o artista e estava em Paris logo depois da guerra, diz: “Os intelectuais passaram-se para o comunismo porque era a coisa respeitável a fazer. Era, por assim dizer, politicamente correto.”
Para Picasso, observa Utley, havia também fortes motivos pessoais. O artista considerava sua admissão no partido como a conclusão lógica de tudo por que havia lutado na vida. Nascido em Málaga em 1881, Picasso já havia tido contato com movimentos anarquistas e pacifistas quando adolescente em Barcelona, bem antes de estabelecer-se em Paris em 1904. Embora a extensão desses encontros ainda seja discutida pelos estudiosos, no começo da I Guerra Mundial Picasso havia desenvolvido uma antipatia perpétua aos conflitos armados que iria se concretizar em seus enérgicos esforços pelo movimento pacifista apoiado pelos comunistas. A Guerra Civil Espanhola fez com que odiasse Franco e se tornasse antifascista, uma posição que já em 1936 rendeu-lhe o título de
pintor marxista na imprensa espanhola. Ainda que Picasso jamais houvesse lido Marx e tivesse pouco conhecimento do que estava acontecendo na União Soviética, Utley diz que sua adesão ao partido mostrava um compromisso profundamente arraigado com os ideais comunistas. “Ele acreditava verdadeiramente nos princípios básicos”, afirma, “mas também achava que podia ser comunista sem seguir o comunismo inteiro.”
A adesão de Picasso ao partido em 1944 foi um evento que marcou época e foi devidamente aproveitado pelos comunistas. Aprovado pela liderança, Picasso seria logo instruído nos assuntos partidários pelo próprio Thorez e guiado na militância cultural por seus amigos Louis Aragon e Paul Éluard. Embora não se esperasse dele que diariamente cumprisse funções partidárias ou assistisse a encontros celulares de rotina, Picasso recebeu um lugar proeminente em iniciativas comunistas tais como o Nationale Front des Arts e o Comitê França-URSS. A partir de 1947, quando mudou-se com sua companheira Françoise Gilot para a cidade de Vallauris, governada pelos comunistas, tornou-se anfitrião, entre outros, do escritor soviético Ilya Ehrenburg e de Georges Tabaraud, editor do
Patriote de Nice, jornal do partido que o próprio Picasso apoiava financeiramente. Estava também alistado em esforços internacionais, como a assinatura de uma carta ao Presidente Truman protestando contra o pacto da OTAN, o apoio ao Partido Comunista Americano e, de acordo com um relato, a denúncia da prisão dos Dez de Hollywood pelo governo americano em 1950.
Mais importante, no entanto, é a afirmação de Utley de que Picasso rapidamente se tornou uma das figuras mais destacadas no movimento pela paz liderado pelos comunistas. Tal atividade é significativa à luz do papel exercido pelo movimento nos anos iniciais da Guerra Fria.”
(Hugh Eakin,
Picasso’s Party Line)
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