“São Paulo exprime com bastante freqüência sua doutrina a respeito da graça e da salvação em termos de “justificação pela fé” e não pelas “obras” ou “obras da lei”. Os protestantes geralmente dão grande ênfase a tais palavras, mas sem entendê-las corretamente, à luz da tradição católica. Consideremos algumas passagens-chave das obras de São Paulo:
Rom 3: 27-28: “Onde está, portanto, o motivo de se gloriar? Foi eliminado. Por que lei? Pela das obras? Não, mas pela lei da fé. Porque julgamos que o homem é justificado pela fé, sem as observâncias da lei.”
Rom 5, 1: “Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.”
Rom 5, 9: “Portanto, muito mais agora, que estamos justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira.”
Gál 2, 16: “Sabemos, contudo, que ninguém se justifica pela prática da lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo. Também nós cremos em Jesus Cristo, e tiramos assim a nossa justificação da fé em Cristo, e não pela prática da lei. Pois, pela prática da lei, nenhum homem será justificado.”
Gál 3, 11: “Que ninguém é justificado pela lei perante Deus é evidente, porque o justo viverá pela fé.”
Essa é a mesma doutrina de Cristo, que repreendeu o fariseu que se vangloriava de suas boas obras diante de Deus. O Senhor ensinou que o humilde publicano que simplesmente orava pela misericórdia de Deus estava “justificado” e não o fariseu (Lc 18, 9-14).
Que é essa “justificação”? Estar “justificado” significa “tornar-se justo, santo e aceitável diante de Deus”. Em outras palavras, o termo “justificação”, nessas e em outras passagens semelhantes do Novo Testamento, significa o que os católicos comumente descrevemos como a mudança do “estado de pecado” para o “estado de graça”. E a doutrina ensinada por Jesus e São Paulo nas passagens acima é que quando estamos em estado de pecado, e separados de Deus,
nada podemos fazer por nós mesmos e nenhuma de nossas boas obras pode nos conseguir ou merecer a justificação. Receber a graça de Deus e o perdão de nossos pecados nunca é um “prêmio” ou “recompensa” que merecemos em razão de quaisquer atos supostamente virtuosos que previamente realizamos. O recebimento da graça e da justificação é sempre um
dom gratuito e completamente imerecido. A própria palavra “graça” vem do grego e significa “favor” ou “dádiva”.
Que quer dizer São Paulo quando afirma que essa “justificação” se alcança por meio da fé? É evidente que por “fé” o Apóstolo não quer dizer qualquer tipo de crença: São Tiago ensina que até mesmo os demônios têm uma espécie de “fé” ou crença, que certamente não lhes traz a graça de Deus. Ele diz, “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios crêem e tremem.” (Tg 2, 19) Muitas passagens da Escritura esclarecem à exaustão que o tipo de fé necessária para a justificação é uma fé
arrependida (Lc 24, 47; At 2, 38; 3, 19; 17, 30; Rom 2, 4; I Cor 7, 9-10 etc). A contrição dos pecados e o desejo sincero de mudança é o que falta à “fé” que até mesmo os demônios e as pessoas más podem ter. Essa fé
arrependida que leva à justificação inclui a
esperança na misericórdia de Deus e é possível somente quando o pecador recebe a
graça atual que lhe permite voltar-se em contrição para a misericórdia divina.
Por fim, o ensinamento de São Paulo a respeito da “justificação pela fé” ao invés de pelas “obras” não deve ser separado de outras passagens bíblicas que falam claramente do aspecto
sacramental da justificação. São Paulo certamente não considera o batismo uma das “obras da lei” humanas que não podem nos justificar, mas sim como uma “obra” do próprio Deus que completa o processo de justificação de quem jamais foi batizado antes. São Paulo ensina que no batismo nós participamos da morte de Cristo, ou seja, nós recebemos por meio desse sacramento a graça que Jesus nos conseguiu com sua morte na cruz; e isso nos
permite viver a nova vida de sua ressurreição (Rom 6, 3-4). Paulo, em uma ocasião, lembrou o papel que o batismo teve em sua própria conversão: Ananias, ele recorda, exortou-o logo após ele ter crido em Jesus, dizendo, “E agora por que tardas? Levanta-te. Recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o seu nome.” (At 22, 16) São Pedro fala do “batismo de agora, que vos salva também a vós, não pela purificação das impurezas do corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma consciência boa, pela ressurreição de Jesus Cristo.” (I Pe 3, 21. Ver também Jo 3, 5; Mc 16, 16). Para os que perdem a graça ao cometerem pecado grave após o batismo, o sacramento da penitência é necessário (Jo 20, 22-23). Ainda que aquele que crê e está perfeitamente contrito de seus pecados receba a graça da justificação antes de receber o sacramento devido, essa graça é apenas provisória, e somente é concedida tendo em vista o sacramento antecipado: um pecador que não tivesse a intenção de receber o sacramento, mesmo sabendo que Cristo o exigiu, estaria em falta ou de fé, ou de arrependimento, e dessa forma não seria justificado. Além disso, os que crêem e se arrependem, mas estão menos que
perfeitamente contritos de seus pecados, não se justificam até o momento que recebem o sacramento, que transmite a graça extra de que precisam. (Estamos falando aqui da justificação de adultos, pois o batismo de crianças traz outras considerações.)
Essa é a doutrina autêntica e bíblica da justificação, defendida pela Igreja Católica desde os tempos mais remotos e sumariada no Concílio de Trento, que nos deu a autêntica interpretação da doutrina de São Paulo sobre a “justificação pela fé”:
“Mas quando o Apóstolo diz que o homem se justifica “pela fé” e “gratuitamente” (Rom 3, 22-24), essas palavras devem ser entendidas naquele sentido que manteve e expressou o sentir unânime e perpétuo da Igreja Católica, ou seja, que diz sermos justificados pela fé, porque “a fé é o princípio da salvação humana”, o fundamento e raiz de toda justificação; “sem ela é impossível agradar a Deus” (Heb 11, 6) e chegar ao consórcio de seus filhos; e que somos justificados gratuitamente, porque nada daquilo que precede a justificação, seja a fé, sejam as obras, merece a graça mesma da justificação; porque “se é graça, já não é pelas obras; de outro modo (como disse o mesmo Apóstolo) a graça já não é graça”. (Rom 11, 6)” (Denzinger-Schönmetzer 1532)”
(Rev. Brian Harrison, O. S,
Faith, Works and Justification)
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