segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Eu não sou Charlie Hebdo

“Durante os últimos dias, temos ouvido qualificarem os periodistas vilmente assassinados do pasquim Charlie Hebdo de “mártires da liberdade de expressão”. Também temos assistido a um movimento de solidariedade póstuma com os assassinados, mediante proclamações inassumíveis do tipo: “Eu sou Charlie Hebdo”. E, chegados ao cúmulo do dislate, temos ouvido defenderem um pretenso “direito à blasfêmia”, inclusive em meios católicos. Sirva este artigo para dar voz aos que não se identificam com esse acúmulo de disparates filhos da debilidade mental.
Por volta de setembro de 2006, Bento XVI pronunciou um grandioso discurso em Ratisbona que provocou a ira dos maometanos fanáticos e a censura aleivosa e covarde da maioria dos líderes e meios de comunicação ocidentais. Aquele espetáculo de vileza infinita era facilmente explicável: pois em seu discurso, Bento XVI, além de condenar as formas de fé patológica que tratam de impor-se com a violência, condenava também o laicismo, essa expressão demente da razão que pretende confinar a fé no subjetivo, transformando o âmbito público em um mercado onde a fé pode ser ultrajada e escarnecida até o paroxismo, como expressão da sacrossanta liberdade de expressão. Essa razão demente é a que levou a civilização ocidental à decadência e promoveu os antivalores mais pestilentes, desde o multiculturalismo à pansexualidade, passando logicamente pela aberração sacrílega; essa razão demente é a que defende o pasquim Charlie Hebdo, que, além de publicar sátiras provocadoras e gratuitamente ofensivas contra os muçulmanos, publicou em reiteradas ocasiões caricaturas aberrantes que blasfemam contra Deus, começando por uma capa que mostrava as três pessoas da Santíssima Trindade sodomizando-se entre si. Escrevia Will Durant que uma civilização não é conquistada de fora até que não se tenha destruído a si mesma por dentro; e o desenho sacrílego ou gratuitamente ofensivo que publicava o pasquim Charlie Hebdo, como os antivalores pestilentes que defende, são a melhor expressão dessa deriva autodestrutiva.
Devemos condenar esse vil assassinato; devemos rezar pela salvação da alma desses periodistas que em vida contribuíram para aviltar a alma de seus compatriotas; devemos exigir que as feras que os assassinaram sejam castigadas como merecem; devemos exigir que a patologia religiosa que inspira essas feras seja erradicada da Europa. Mas, ao mesmo tempo, devemos recordar que as religiões fundam as civilizações, que por sua vez morrem quando apostatam da religião que as fundou; e também que o laicismo é um delírio da razão que só logrará que o islamismo erija seu culto ímpio sobre os escombros da civilização cristã. Aconteceu no norte da África no século VII; e acontecerá na Europa do século XXI, por pouco que continuemos defendendo aberrações como as que alardeia o pasquim Charlie Hebdo. Nenhuma pessoa que conserve uma migalha de sentido comum, assim como um mínimo temor a Deus, pode mostrar-se solidária com tais aberrações, que nos têm conduzido ao abismo.
E não esqueçamos que o Governo francês – como tantos outros governos ocidentais –, que amparava a publicação de tais aberrações, é o mesmo que tem financiado em diversos países (e em especial na Líbia) os islamitas que têm massacrado a milhares de cristãos, muito menos pranteados que os periodistas do pasquim Charlie Hebdo. Pode parecer ilógico, mas é irrepreensivelmente lógico: é a lógica do mal na qual o Ocidente tem-se instalado, enquanto espera a chegada dos bárbaros.”
(Juan Manuel de Prada, Yo No Soy Charlie Hebdo)